quarta-feira, outubro 31, 2007

hibridismo nas artes

Apesar de ser o século XX o lugar em que as vanguardas radicalizam a preocupação com a multiplicidade de linguagens e o rompimento de fronteiras, não é de hoje que os artistas promovem diálogos entre as diferentes formas de representação/apresentação da obra de arte. Em entrevista para a revista Continuum Itaú Cultural, o multiartista Arnaldo Antunes, indagado sobre a natureza do seu trabalho híbrido (audiovisual), disse: “O procedimento de colagem surgiu com a modernidade, no começo do século passado. Os movimentos de vanguarda começaram a usar a colagem não só do papel, mas a escrita como colagem de informações fragmentárias, estilhaços de palavras, de várias formas, até a partícula mínima, que é a letra. Isso ocorre na literatura, nas artes plásticas e no cinema, que apresentou a possibilidade de decupar, usar a montagem como efeito de colagem sequencial. Sinto-me um fruto dessa tradição.”

Talvez muitos não saibam, mas o ex-líder dos Titãs é músico, poeta, compositor e artista visual (algumas de suas canções e letras parecem até que “namoram” a poesia visual). Bem pensado se nós concluirmos que nem todos poetas são poetas visuais (mas que trabalham sim, o “som” e a “forma” das palavras, das sílabas, das letras) e que Antunes tem seu processo criativo próprio, no entanto, não é nenhuma novidade o verbo “experimentar” no método de trabalho de qualquer artista. Imagine ainda mais hoje quando temos em nossas mãos o “control c” e o “control v”...

Só para ilustrar a hibridização de meios, artistas plásticos, desde várias gerações, têm se utilizado de linguagens, materiais e repertórios diversos em suas criações. Nos áureos tempos do Cubismo, Picasso experimentou a colagem (afora outras categorias) que se tornou coisa comum entre os dadaístas e os artistas do grupo Fluxus. Séculos antes da modernidade, Leonardo da Vinci foi inventor e homem de mil instrumentos. Isso também não é segredo. O paraibano Tomás Santa Rosa (1909-1956) foi revolucionário criando cenários para o teatro (Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues). Aliás, ele faleceu na Índia quando representava o Brasil num festival internacional de teatro. Paralelamente à sua produção de pintor, figurinista, professor e crítico de arte, Santa Rosa criou a ornamentação de rua para o carnaval do Rio de Janeiro, ilustrações para livros (Jorge Amado e José Lins do Rego) e artes gráficas (a vinheta do Correio das Artes, do nosso jornal A União).

Nos tempos de hoje, quando tudo está cada vez mais “misturado”, as idéias que dão origem às obras de arte – sejam na literatura, cinema ou artes plásticas – não obedecem mais a fronteiras de formato ou linguagem. Novamente, Arnaldo Antunes diz que “a arte é um território sem fronteiras, e ao mesmo tempo um território para questionar as fronteiras, derrubar muitas delas.” E, na maioria das vezes, o resultado acaba nem se enquadrando numa ou noutra categoria. Para atender essa demanda por compartimentar as linguagens se criaram neologismos (vídeodança e vídeoarte, por exemplo). Outras vezes, as criações são tão diferentes e abertas que ninguém se arrisca a classificá-las (a palavra “objeto” passou a existir para denominar algo que não mais podia ser compreendido como uma escultura).

Surgida nos anos finais da década de 1960, a vídeodança é, na verdade, um híbrido de cinema (vídeo) e dança. É a comunhão entre duas linguagens que se necessitam. E a câmera vai além do olhar do espectador que está na platéia. Na verdade, a câmera “viaja” junto com o bailarino revelando lances da coreografia que nem todos, ao mesmo tempo, viram. Alex Cassal, vídeomaker paulistano, afirma que “o vídeo tem o seu foco muito definido, aquilo que vai ser visto já está enquadrado. Em um espetáculo, de modo geral, o campo de visão é muito maior, o espectador pode escolher olhar para algo que não é necessariamente o foco escolhido pelo diretor.”

A performance, também surgida nos anos 1960, é considerada uma modalidade de artes visuais que, assim como o happening, apresenta ligações com o teatro e, em algumas situações, com a música, poesia e vídeo. É diferente do happening (outra modalidade) por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver necessariamente a participação do público. Em sua maioria, a performance é apresentada para uma platéia restrita e seu conhecimento depende de registros através de fotografias, vídeos e/ou memoriais descritivos. E aí, já se mistura a outras categorias confirmando a hibridização desta mídia.

Já o cinema de Peter Greenaway nos apresenta um cabedal de citações, alusões e referências que vem das artes plásticas. Formado em pintura, este inglês é o hibridismo em pessoa: pintor, curador, escritor, vídeomaker, diretor de ópera e VJ (ou vídeo jockey, e serve para denominar aqueles que manipulam vídeos em eventos ao vivo ou programas de TV e faz com o vídeo o mesmo que o DJ faz com a música). Mas, sua fonte de inspiração é a pintura. “Eu acredito que os pintores Caravaggio, Velázquez e Rembrandt foram os inventores do cinema, três séculos antes dos irmãos Lumière”, diz Greenaway. “Estão ali a dramaticidade e o jogo de luz e sombra que fizeram a grandeza do cinema narrativo nos anos 30 e 40. E é esse aspecto sensorial que o espectador absorve, muito mais do que a estrutura romanesca.”

Bem, ainda há muito que dizer sobre o tema hibridismo... A literatura que vai para o palco e o próprio teatro contemporâneo (alguém aí viu o recente festival RioCenaContemporânea ou a montagem de “Vau da Sarapalha” pelo grupo paraibano Piollin?) definem, hoje, um teatro sem limites, sem fronteiras. E, ia me esquecendo: já assistiram “Sonhos”, de Akira Kurosawa?

quinta-feira, outubro 18, 2007

por que alguns andam para trás?

O artista Allan Kaprow (1927-2006), no texto “O legado de Jackson Pollock” dizia: “Não satisfeitos com a sugestão, por meio da pintura, de nossos outros sentidos, devemos utilizar a substância específica da visão, do som, dos movimentos, das pessoas, dos odores, do tato. Objetos de todos os tipos são materiais para a nova arte: tinta, cadeiras, comida, luzes elétricas e néon, fumaça, água, meias velhas, um cachorro, filmes, mil outras coisas que serão descobertas pela geração atual de artistas”. E encerrava, categórico: “Jovens artistas de hoje não precisam mais dizer ‘Eu sou um pintor’ ou ‘um poeta’ ou ‘um dançarino’. Eles são simplesmente ‘artistas’.”

O artigo foi publicado há quase cinqüenta anos. Esse período – a passagem dos anos 50 para os 60 –, poderia ser compreendido como o marco divisor entre o moderno e o contemporâneo. Para o professor de Filosofia e curador Fernando Cocchiarale, “No campo da arte, a principal diferença entre o moderno e o contemporâneo talvez esteja na crise da idéia de autonomia da arte formada ao longo dos últimos 200 anos. Os artistas modernos estavam primeiramente interessados na pesquisa e invenção formais, nos elementos exclusivos das linguagens da arte (cor, luz, espaço, plano, volume, matéria, grafismo). Daí a força adquirida pela arte abstrata, ponto culminante do projeto de uma arte autônoma. Mas entre os anos 50 e 60 esses valores dão lugar a uma brusca reorientação que marca os primórdios da arte contemporânea. Se confrontarmos o caráter altamente especializado das vanguardas modernistas (especialização semelhante à de todas as atividades profissionais modernas, das liberais às tecnológicas, científicas e industriais) com o começo da contemporaneidade, é visível como esta última transborda o campo específico que a modernidade havia construído, em busca da reaproximação e da integração da arte com a própria vida.”

A arte contemporânea surge, a partir daí, colocando em questão o próprio valor da arte e outros temas intrínsecos ao fazer artístico, como a idéia de representação, por exemplo. Não que o fazer artístico não tenha sido importante para os artistas modernos, que também abordaram a noção de como e se a arte pode representar algo. Mas, o que se viu nesse período foi um passo mais radical. Segundo a professora da UFRJ, Glória Ferreira, “Enquanto os modernos expandem os limites da arte, os contemporâneos quebram todos esse limites”.

Mas, constatamos que a arte hoje parece ter ainda maior dificuldade de ser apreendida pelo público do que a produção moderna e a demanda por explicações parece ter aumentado consideravelmente, basta conferir a proliferação dos setores de educação das instituições culturais e museus em escala mundial. Dentre os motivos dessa difícil comunicabilidade, talvez, esteja o fato que “as obras e intervenções dos artistas de hoje são tão parecidas com a vida que o público não mais as reconhece como artísticas (estéticas).”, sugere Cocchiarale.

Claro, as afirmações acima são todas fundamentais para se tentar compreender a arte que fazemos hoje em dia. Ou melhor, a arte contemporânea (que alguns ainda confundem como arte de vanguarda, conceitual e outras besteiras). E, além disso, as pessoas precisam saber que o “sistema da arte”, tal como conhecemos hoje, tem pouco mais de duzentos anos. É apenas no século XVIII que a obra de arte ganha espaço apropriado (museus), é entregue a galeristas e comerciantes de lojas de decoração, passar a ser comentada e estudada por jornalistas e críticos de arte... Antes, a maioria dos artistas trabalhava anonimamente e nem se preocupava pela assinatura na obra. A burguesia européia é que transformou o artista em um “popstar” ao propor a competição como fator de sucesso e riqueza. Ou seja, aquele que era bem sucedido era o melhor pago, e vice-versa.

E, mesmo sendo estes assuntos fundamentais para se discutir “forma e conteúdo” na e da arte contemporânea, quase nunca pensamos (nós, artistas, principalmente) nisso tudo. Em tempos de globalização, de Internet e Google, será que ainda há “artistas” fora da realidade? Desinformados? Quem sabe, atraídos pela fascinação e o “status” que a arte proporciona não tenham tempo para pensar nas transformações do mundo, da arte? Ora, não mais podemos pensar a arte separada das questões mais candentes e das carências do mundo hoje. Não se pode mais separar arte da vida.

Faz tempo acabou o sonho. Acordemos. Hoje, como também diria Kaprow, não há mais palavras para designar ou classificar a variedade da produção artística com o rigor especializado das teorias formalistas modernas. Não há mais “ismos” e categorias para classificar os movimentos e estilos artísticos. Há só arte e artistas. Eu, pessoalmente, não entendo como alguns ainda se acham apenas “pintores”, “poetas” ou “bailarinos”. São é artistas. Pelo menos, se assim forem mesmo.

Na ciência, busco os especialistas (na medicina, especialmente). Na arte, prefiro os multiartistas, sempre inquietos e curiosos que “jogam em todas as posições”. Leonardo da Vinci e Abraham Palatnik são considerados pintores, gravadores, arquitetos, inventores. Pedro Osmar, Sandoval Fagundes e Arnaldo Antunes mesclam poesia, música, performance, vídeo e artes gráficas. Raul Córdula, Antonio Dias, José Rufino, Rodolfo Athayde e Anna Bella Geiger brincam na cenografia, cinema e noutras categorias (gravura, fotografia, joalheria, pintura, objeto, instalação). Os pintores Hélio Oiticica, Mondrian, Kandisnky, Malevitch, Torres Garcia e João Câmara também atacaram de teóricos. A gravadora Maria Bonomi faz escultura. W. Solha pinta, escreve e atua. Picasso experimentou de tudo. E Paulo Bruscky é o próprio multiartista.

tudo que é sólido desmancha no ar

Todo assunto sério pode virar uma piada. Toda tragédia tem seu lado comédia. Ou, ainda, o que é imóvel desaba e o que está em constante movimento, mantém-se. Estes são lugares-comuns de uma sociedade burguesa que, através de sua insaciável busca pelo desenvolvimento e de satisfazer às necessidades por ela criadas, produz inevitavelmente idéias e movimentos radicais antagônicos. Ela se alimenta e se revigora daquilo que se opõe, tornando-se mais forte em meio a pressões e crises do que em tempos de paz, transforma inimizade e detratores em aliados involuntários.

Diz Marshall Berman, em seu livro “Tudo que é sólido desmancha no ar”, que “Tudo o que é sagrado é profanado; os homens, finalmente, serão obrigados a encarar as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com os seus companheiros humanos.” Isso me vem no momento que assistimos ao Festival Internacional de Humor em DST/AIDS (Usina Cultural Saelpa, até 21 de outubro), realizado pelo Ministério da Saúde e promovido na Paraíba pelo Governo do Estado através da Secretaria de Saúde.

A arte, e neste caso o humor gráfico, é utilizada cada vez mais como uma ferramenta de comunicação ou de ativismo político, já que o ato artístico é a possibilidade de um indivíduo expressar sua liberdade. Mas, a arte também pode ser crítica ou politizada (quando o artista é engajado, seja de que lado for). Foi pensando dessa forma que o Ministério da Saúde resolveu utilizar dessa linguagem do humor gráfico para uma campanha direta por uma mobilização maior contra o vírus da AIDS e a desinformação sobre a doença. Afinal, o humor gráfico é uma linguagem universal entre os povos. Através de um cartum um chinês pode se comunicar com um boliviano sem conhecer sua língua. O desenho nem precisa ser acompanhado de texto e assim, através dos traços e expressão dos personagens, a idéia é passada para qualquer ser humano do planeta, seja analfabeto ou letrado, jovem ou idoso, rico ou pobre...

A riqueza do humor gráfico tem invadido o mundo através de salões desde o século passado. Os belgas e ingleses foram os primeiros a criar concursos de cartuns que hoje são comuns em vários países de todos os continentes. As surpresas são tão grandes nesse setor que o próprio Irã, considerado reduto de fortes dogmas religiosos e censura, tem um dos maiores contingentes de humoristas por metro quadrado, com várias revistas de humor e um dos melhores salões do mundo. No Brasil, o primeiro evento desse tipo foi o Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, em 1973, em pleno regime militar. Contaram com a ajuda de Zélio Alves Pinto e do pessoal do Pasquim e que, logo depois, também foram dar força ao nosso principal e mais antigo Salão de Humor, o de Piracicaba, hoje, com mais de trinta anos de vida. Atualmente, são vários os Salões espalhados pelo Brasil, entre eles, o Salão do Piauí, Salão de Volta Redonda, de Pernambuco, Carioca, de Imprensa de Porto Alegre, de Foz do Iguaçu, de Caratinga, Universitário de Piracicaba, da Bahia, Unacom de Brasília e de Minas Gerais.

Para abrilhantar esse evento na Usina Cultural Saelpa, claramente dedicado a despertar nos visitantes uma discussão e reflexão sobre a AIDS e seus impactos no mundo, esteve em João Pessoa o cartunista gaúcho Edgar Vasques, autor do personagem Rango e membro do júri deste festival ao lado de Zélio Alves Pinto, Ciça, Albert Piauí, Gogon e Orlando. Na cidade, pela segunda vez, Vasques fez questão de encontrar os artistas locais e, de novo, se surpreender com o talento de Shiko, a dedicação de Henrique Magalhães (que recentemente publicou extensa entrevista com Edgar Vasques na sua revista Top Top!) e a garra dos “meninos” do grupo Made in PB (Raoni Xavier, Janúncio Neto, Jackson Herbert, Alysson e Izaac Ramon).

Passou uma tarde memorável na Fundação Espaço Cultural onde proferiu palestra para quase vinte jovens alunos do curso de Desenho e Roteiro em Quadrinhos, ministrado pelo Made in PB (todos os sábados no Espaço Cultural). Ainda teve tempo para uma conversa com Shiko e outros artistas locais sobre assuntos atuais dessa área: mercado editorial, formação, cursos, eventos, Internet, novos meios de expressão e fruição, ações públicas e coletivas... E deixou no ar a semente da criação de um espaço local (um salão de humor e quadrinhos?) que possa servir de lugar de divulgação e reflexão sobre esta categoria muitas vezes considerada “menor” no status do sistema da arte. A Usina Cultural Saelpa, já se antecipando a estas discussões e vislumbrando o alcance do humor gráfico, anuncia para o ano que vem a realização de um Salão de Humor com o tema “Fonte renovável de energia”. Mais uma vez, os artistas vão poder fazer rir (ou chocar) com assuntos sérios e que estão na moda (aquecimento global, camada de ozônio, fontes alternativas de energia, ecologia etc).

Usar os meios de comunicação é uma das formas abrangentes e eficazes de atingir uma massa ávida de conhecimento e sempre traz resultados imediatos. A arte do humor gráfico e das histórias em quadrinhos, além de ser de baixo custo, tem o poder de permanência que um anúncio na TV não tem. Desde muito tempo que as campanhas educativas da área de saúde utilizam história em quadrinhos, por exemplo, como ferramenta das peças publicitárias atingindo sucesso estrondoso. Quem sabe, não será através da arte (e do humor, da comédia) que acordemos para o caos (tragédia?) que o planeta reserva aos nossos filhos e netos?

arte e politica, politica da arte*

* texto publicado no jornal O Norte, em 07 de outubro de 2007

O cientista social e professor da PUC de São Paulo, Miguel Chaia, diz que, dependendo da perspectiva que assumimos, a arte não está, necessariamente, ligada à política. “Tanto a arte política como a não política são opções individuais do artista. Ambas válidas e, claro, bem vindas. É importante lembrar que os momentos históricos facilitam ou dificultam essa relação porque influenciam o contexto no qual está o artista. Por exemplo, a ditadura militar foi um período de muito engajamento artístico. Hoje em dia acontece o contrário, o mundo neoliberal, de sedução capitalista de consumo e de entretenimento, ofusca a preocupação do indivíduo com o coletivo. Isso acontece na sociedade como um todo e também no artista de forma individual. Hoje é frágil a relação entre a arte e política. Há poucos artistas políticos”, explica ele.

Falando das relações entre a arte e a política, numa perspectiva filosófica, deve-se afirmar que a arte é sempre política, pois, expressar-se é um ato político. É a possibilidade de um indivíduo expressar sua liberdade. E o trabalho de linguagem é expressão política daí se afirmar que todo artista é um revolucionário da linguagem.

Já a arte crítica é a expressão política de uma linguagem. Isso ocorre quando a arte se preocupa claramente com situações sociais e econômicas sem que o artista abra mão do rigor da linguagem estética. Ou ainda, quando a linguagem artística necessita de inovação para que seja arte. E verifica-se esta situação nos movimentos da Semana de Arte Moderna e do Cinema Novo, no Brasil. Outro exemplo da arte crítica expressando o momento político, e não um compromisso contínuo do artista, é a obra Guernica, de Pablo Picasso, que trata do bombardeio desta cidadezinha pelos nazistas. Aqui o que impera é a expressão de revolta e de denúncia.

Na politização da arte, a arte é vista como meio de transformação revolucionária ou gradativa. O artista é engajado. E, neste caso, existe uma proposta de transformação e compromisso contínuo. Ações e movimentos como o Muralismo mexicano, capitaneado pelos artistas Diego Rivera, David Siqueiros e Clemente Orozco, retratavam nas ruas a situação política do México. Na maior parte dos imensos murais estavam representados indígenas, conquistadores espanhóis, camponeses, operários, políticos e revolucionários imprimindo às obras uma exaltação da liberdade e um sentido anti-capitalista. Também como exemplo, o fotógrafo Sebastião Salgado viajou o mundo, através da ONU, denunciando a miséria internacional.

Um misto de politização da arte e arte crítica se dá quando analisamos a Pop Art. Nos Estados Unidos era clara a atuação deste movimento na crítica ao modus vivendi da sociedade capitalista. Já no Brasil, que vivia o período de euforia da era JK e o populismo dos governos Jânio Quadros e João Goulart e, em seguida, o regime da ditadura, alguns artistas experimentavam a retomada da figuração a partir de vertentes neofigurativas e, utilizando a linguagem Pop, manifestavam evidente preocupação social e buscavam a participação do público definindo aí uma posição independente através da ação crítica.

Na estetização da política, arte e política passam a conviver no mesmo espaço. A arte é abocanhada pela política. Não tem mais liberdade de expressão e nesse momento a arte está a serviço do poder e é feita para atuar nas massas. Os melhores exemplos estão nos poderes totalitários. O Realismo socialista, na extinta União Soviética, propunha uma arte política que abordava os problemas cruciais da realidade e estava voltado para a erradicação da velha sociedade e a formação de um novo homem e de novas relações sociais. Sob o controle do partido e do Estado, engendra-se a estetização do político, uma vez que a arte ficou a serviço do projeto político comunista. Outro momento se dá no período Nazista que se colocou contra a arte abstrata considerada burguesa ou degenerada (mais tarde, nos anos 60, os Estados Unidos responderam com uma intensa propaganda contrária ao realismo, pressionando pela hegemonia do movimento abstrato). Verifica-se que, em certas circunstâncias históricas, a cultura e a arte se constituem em meios para fins políticos. Neste caso, o mesmo perigo que consterna a prática cultural também pode perpassar a análise da relação entre arte e política.

Na relação econômica, há uma aparência com a estetização da política, porém aqui o poder é econômico. A arte passa a ser um instrumento da economia para aumentar o consumo de produtos. A sociedade capitalista tenta destruir a arte porque ela é uma forma de negação do sistema. Também a usa para tentar legitimar-se. Neste particular se observa a proliferação da atuação de instituições criadas por grande conglomerados econômicos como o Instituto Cultural Itaú e a Fundação Ford. Na contramão dessa tendência econômica existe a arte como forma de resistência, de estética com ética. E hoje testemunhamos o surgimento de vários coletivos de arte como o Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), que nasceu em 2004 a partir de um desdobramento de propostas artísticas da artista Mônica Nador que, junto com outros artistas e moradores do Jardim Miriam, bairro da Zona Sul de São Paulo, vem desde então tocando o projeto como um misto de espaço de experimentação artística, local de convivência e de debates políticos e culturais.

arte, tecnologia e abraham palatnik

A Fapern-Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte está realizando, com a participação de instituições de ensino e pesquisa, a Semana Potiguar da Ciência e Tecnologia 2007. Na imensa programação, que vai de agosto a outubro em Natal e outras cidades, acontece o 1º Prêmio Abraham Palatnik de Artes Visuais com o objetivo de incentivar o surgimento de jovens talentos e o uso de novas tecnologias nesta área artística.

Neste caso, há dois fatos que merecem destaque. Primeiro, a justa homenagem ao artista potiguar Palatnik, pai da arte cinética no Brasil e um dos pioneiros no uso da tecnologia a serviço das artes. Segundo, o envolvimento de um órgão (Fapern) nas ações de incentivo à cultura. Isso, por si, já aguçou meu interesse e curiosidade ao ser convidado para compor o júri de seleção e premiação deste Salão ao lado dos artistas Paulo Bruscky e Vicente Vitoriano, de Recife e Natal, respectivamente.

Ao todo, 73 artistas se inscreveram no Salão somando 123 peças participantes. E, embora este seja considerado um número pequeno comparado a outros salões de arte, deve-se dizer que o evento era aberto apenas a artistas nascidos ou residentes no Rio Grande do Norte. Na verdade, era voltado a descobrir talentos locais.

Sobre a avaliação do Salão, o artista Paulo Bruscky, considerado um dos principais nomes da vanguarda nordestina e na utilização de novos meios (arte correio, áudio-arte, videoarte, artdoor e xerografia/faxarte etc) nas artes visuais, afirma que “Todo primeiro salão, como toda primeira investida em qualquer área, tem que ser feito para se analisar, corrigir. Apenas, eu esperava, por ser em homenagem a Abraham Palatnik, que houvesse mais obras na proposta de arte multimídia. Apesar de algumas obras salvarem o Salão, o que predominou foi, como sempre, pintura e desenho, que são as categorias mais tradicionais. Mas a idéia é muito boa. E acho que devia ter um seminário para discutir o regulamento, por exemplo. Chamar os artistas, acatar sugestões”.

Mas, o Salão não apresenta surpresas. Hoje isso é difícil por que o próprio salão já tem uma natureza de apresentar “novidades”. Todos querendo fazer uma obra “original”, mas acabam fazendo uma coisa de 30 ou 50 anos atrás. O que há, na verdade, são obras mais bem elaboradas e peças ícones de estilos, de categorias. Para Paulo Bruscky, deveria haver algumas alterações no formato do Salão. Por exemplo, a concessão de bolsas ao invés de prêmio aquisição. “O artista receberia a bolsa durante um ano, para executar um trabalho. E para um artista novo, um projeto de pesquisa é bom por que ele vai desenvolver o trabalho de forma sistemática. E, ao final, está garantida uma exposição”.

A Fapern, ao criar o Prêmio Abraham Palatnik, teve a sorte de poder usar esse nome como uma referência. E, se nacionalizar o evento, vai atingir todo o Brasil indicando que se trata de mídia contemporânea, tecnologia e arte, ciência e artes plásticas. Mas perde visibilidade se ficar restrito ao local ou ser apenas um salão convencional de novos. Ora, todos esperamos que os salões de arte sejam espaços democráticos para todos os iniciantes, mas também sujeito a confusões na cabeça dos iniciantes. Daí, a necessidade de incluir um seminário e, também, a presença de artistas convidados (incluindo uma sala especial em homenagem ao próprio Palatnik) que trabalhem hoje com novas tecnologias nas artes visuais, para orientar a realização de workshops com artistas locais.

Não estamos mais isolados. Cidades como Recife, João Pessoa e Natal tem a mesma realidade nas artes visuais. Claro, vivemos distantes do poder econômico. Mas nunca da possibilidade de criar. Nos anos 70, o Nordeste já produzia arte de vanguarda. Basta conferir as ações do NAC, da UFPB, com a participação de importantes artistas do eixo Rio-São Paulo e as experimentações com arte correio, vídeoarte, xerox arte, livro de artista, poema processo etc.

Segundo Paulo Bruscky, “No Nordeste, nos antecipamos à Internet. A arte correio era uma grande rede que foi incluindo outros meios – telegrama, telex, fax e computador – e essa rede é a Internet de hoje. Esse movimento democratizou o acesso à arte, os espaços foram criados, mas a crítica nacional e internacional passou em brancas nuvens. As próprias instituições negaram, por que não eram obras comerciais. Na arte correio, por exemplo, a obra é a informação, a troca de informação. Ora, o que é a arte? A arte é a vida. Eu fui visitar Robert Rehfeldt, na antiga Alemanha Oriental, e ele me disse algo importante: ‘No seu país, você foi preso por ser considerado comunista. No meu país, eu fui preso por ser considerado democrata. E, no entanto, durante esses dez anos de correspondência e de troca de trabalhos, nós fazemos um trabalho similar’. O que é esse conceito político? A questão da estética, da política, do poder, em relação aos conceitos de arte, da própria vida. Depois eu voltei para Amsterdã, onde morava, e passei dias pensando nisso: o que é o conceito? Tudo em que você se baseia, principalmente na área cultural, na artística, é no conceito. Os artistas existem apenas para mostrar uma coisa que não é nem necessária, mas a gente tem que mostrar. Wladimir Dias Pino tem uma frase genial: ‘O olho é responsável pelo que vê’. E nós assimilamos através da visão, cerca de 80% do que vem aos sentidos”.