quinta-feira, outubro 18, 2007

arte e politica, politica da arte*

* texto publicado no jornal O Norte, em 07 de outubro de 2007

O cientista social e professor da PUC de São Paulo, Miguel Chaia, diz que, dependendo da perspectiva que assumimos, a arte não está, necessariamente, ligada à política. “Tanto a arte política como a não política são opções individuais do artista. Ambas válidas e, claro, bem vindas. É importante lembrar que os momentos históricos facilitam ou dificultam essa relação porque influenciam o contexto no qual está o artista. Por exemplo, a ditadura militar foi um período de muito engajamento artístico. Hoje em dia acontece o contrário, o mundo neoliberal, de sedução capitalista de consumo e de entretenimento, ofusca a preocupação do indivíduo com o coletivo. Isso acontece na sociedade como um todo e também no artista de forma individual. Hoje é frágil a relação entre a arte e política. Há poucos artistas políticos”, explica ele.

Falando das relações entre a arte e a política, numa perspectiva filosófica, deve-se afirmar que a arte é sempre política, pois, expressar-se é um ato político. É a possibilidade de um indivíduo expressar sua liberdade. E o trabalho de linguagem é expressão política daí se afirmar que todo artista é um revolucionário da linguagem.

Já a arte crítica é a expressão política de uma linguagem. Isso ocorre quando a arte se preocupa claramente com situações sociais e econômicas sem que o artista abra mão do rigor da linguagem estética. Ou ainda, quando a linguagem artística necessita de inovação para que seja arte. E verifica-se esta situação nos movimentos da Semana de Arte Moderna e do Cinema Novo, no Brasil. Outro exemplo da arte crítica expressando o momento político, e não um compromisso contínuo do artista, é a obra Guernica, de Pablo Picasso, que trata do bombardeio desta cidadezinha pelos nazistas. Aqui o que impera é a expressão de revolta e de denúncia.

Na politização da arte, a arte é vista como meio de transformação revolucionária ou gradativa. O artista é engajado. E, neste caso, existe uma proposta de transformação e compromisso contínuo. Ações e movimentos como o Muralismo mexicano, capitaneado pelos artistas Diego Rivera, David Siqueiros e Clemente Orozco, retratavam nas ruas a situação política do México. Na maior parte dos imensos murais estavam representados indígenas, conquistadores espanhóis, camponeses, operários, políticos e revolucionários imprimindo às obras uma exaltação da liberdade e um sentido anti-capitalista. Também como exemplo, o fotógrafo Sebastião Salgado viajou o mundo, através da ONU, denunciando a miséria internacional.

Um misto de politização da arte e arte crítica se dá quando analisamos a Pop Art. Nos Estados Unidos era clara a atuação deste movimento na crítica ao modus vivendi da sociedade capitalista. Já no Brasil, que vivia o período de euforia da era JK e o populismo dos governos Jânio Quadros e João Goulart e, em seguida, o regime da ditadura, alguns artistas experimentavam a retomada da figuração a partir de vertentes neofigurativas e, utilizando a linguagem Pop, manifestavam evidente preocupação social e buscavam a participação do público definindo aí uma posição independente através da ação crítica.

Na estetização da política, arte e política passam a conviver no mesmo espaço. A arte é abocanhada pela política. Não tem mais liberdade de expressão e nesse momento a arte está a serviço do poder e é feita para atuar nas massas. Os melhores exemplos estão nos poderes totalitários. O Realismo socialista, na extinta União Soviética, propunha uma arte política que abordava os problemas cruciais da realidade e estava voltado para a erradicação da velha sociedade e a formação de um novo homem e de novas relações sociais. Sob o controle do partido e do Estado, engendra-se a estetização do político, uma vez que a arte ficou a serviço do projeto político comunista. Outro momento se dá no período Nazista que se colocou contra a arte abstrata considerada burguesa ou degenerada (mais tarde, nos anos 60, os Estados Unidos responderam com uma intensa propaganda contrária ao realismo, pressionando pela hegemonia do movimento abstrato). Verifica-se que, em certas circunstâncias históricas, a cultura e a arte se constituem em meios para fins políticos. Neste caso, o mesmo perigo que consterna a prática cultural também pode perpassar a análise da relação entre arte e política.

Na relação econômica, há uma aparência com a estetização da política, porém aqui o poder é econômico. A arte passa a ser um instrumento da economia para aumentar o consumo de produtos. A sociedade capitalista tenta destruir a arte porque ela é uma forma de negação do sistema. Também a usa para tentar legitimar-se. Neste particular se observa a proliferação da atuação de instituições criadas por grande conglomerados econômicos como o Instituto Cultural Itaú e a Fundação Ford. Na contramão dessa tendência econômica existe a arte como forma de resistência, de estética com ética. E hoje testemunhamos o surgimento de vários coletivos de arte como o Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), que nasceu em 2004 a partir de um desdobramento de propostas artísticas da artista Mônica Nador que, junto com outros artistas e moradores do Jardim Miriam, bairro da Zona Sul de São Paulo, vem desde então tocando o projeto como um misto de espaço de experimentação artística, local de convivência e de debates políticos e culturais.

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