quarta-feira, outubro 31, 2007

hibridismo nas artes

Apesar de ser o século XX o lugar em que as vanguardas radicalizam a preocupação com a multiplicidade de linguagens e o rompimento de fronteiras, não é de hoje que os artistas promovem diálogos entre as diferentes formas de representação/apresentação da obra de arte. Em entrevista para a revista Continuum Itaú Cultural, o multiartista Arnaldo Antunes, indagado sobre a natureza do seu trabalho híbrido (audiovisual), disse: “O procedimento de colagem surgiu com a modernidade, no começo do século passado. Os movimentos de vanguarda começaram a usar a colagem não só do papel, mas a escrita como colagem de informações fragmentárias, estilhaços de palavras, de várias formas, até a partícula mínima, que é a letra. Isso ocorre na literatura, nas artes plásticas e no cinema, que apresentou a possibilidade de decupar, usar a montagem como efeito de colagem sequencial. Sinto-me um fruto dessa tradição.”

Talvez muitos não saibam, mas o ex-líder dos Titãs é músico, poeta, compositor e artista visual (algumas de suas canções e letras parecem até que “namoram” a poesia visual). Bem pensado se nós concluirmos que nem todos poetas são poetas visuais (mas que trabalham sim, o “som” e a “forma” das palavras, das sílabas, das letras) e que Antunes tem seu processo criativo próprio, no entanto, não é nenhuma novidade o verbo “experimentar” no método de trabalho de qualquer artista. Imagine ainda mais hoje quando temos em nossas mãos o “control c” e o “control v”...

Só para ilustrar a hibridização de meios, artistas plásticos, desde várias gerações, têm se utilizado de linguagens, materiais e repertórios diversos em suas criações. Nos áureos tempos do Cubismo, Picasso experimentou a colagem (afora outras categorias) que se tornou coisa comum entre os dadaístas e os artistas do grupo Fluxus. Séculos antes da modernidade, Leonardo da Vinci foi inventor e homem de mil instrumentos. Isso também não é segredo. O paraibano Tomás Santa Rosa (1909-1956) foi revolucionário criando cenários para o teatro (Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues). Aliás, ele faleceu na Índia quando representava o Brasil num festival internacional de teatro. Paralelamente à sua produção de pintor, figurinista, professor e crítico de arte, Santa Rosa criou a ornamentação de rua para o carnaval do Rio de Janeiro, ilustrações para livros (Jorge Amado e José Lins do Rego) e artes gráficas (a vinheta do Correio das Artes, do nosso jornal A União).

Nos tempos de hoje, quando tudo está cada vez mais “misturado”, as idéias que dão origem às obras de arte – sejam na literatura, cinema ou artes plásticas – não obedecem mais a fronteiras de formato ou linguagem. Novamente, Arnaldo Antunes diz que “a arte é um território sem fronteiras, e ao mesmo tempo um território para questionar as fronteiras, derrubar muitas delas.” E, na maioria das vezes, o resultado acaba nem se enquadrando numa ou noutra categoria. Para atender essa demanda por compartimentar as linguagens se criaram neologismos (vídeodança e vídeoarte, por exemplo). Outras vezes, as criações são tão diferentes e abertas que ninguém se arrisca a classificá-las (a palavra “objeto” passou a existir para denominar algo que não mais podia ser compreendido como uma escultura).

Surgida nos anos finais da década de 1960, a vídeodança é, na verdade, um híbrido de cinema (vídeo) e dança. É a comunhão entre duas linguagens que se necessitam. E a câmera vai além do olhar do espectador que está na platéia. Na verdade, a câmera “viaja” junto com o bailarino revelando lances da coreografia que nem todos, ao mesmo tempo, viram. Alex Cassal, vídeomaker paulistano, afirma que “o vídeo tem o seu foco muito definido, aquilo que vai ser visto já está enquadrado. Em um espetáculo, de modo geral, o campo de visão é muito maior, o espectador pode escolher olhar para algo que não é necessariamente o foco escolhido pelo diretor.”

A performance, também surgida nos anos 1960, é considerada uma modalidade de artes visuais que, assim como o happening, apresenta ligações com o teatro e, em algumas situações, com a música, poesia e vídeo. É diferente do happening (outra modalidade) por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver necessariamente a participação do público. Em sua maioria, a performance é apresentada para uma platéia restrita e seu conhecimento depende de registros através de fotografias, vídeos e/ou memoriais descritivos. E aí, já se mistura a outras categorias confirmando a hibridização desta mídia.

Já o cinema de Peter Greenaway nos apresenta um cabedal de citações, alusões e referências que vem das artes plásticas. Formado em pintura, este inglês é o hibridismo em pessoa: pintor, curador, escritor, vídeomaker, diretor de ópera e VJ (ou vídeo jockey, e serve para denominar aqueles que manipulam vídeos em eventos ao vivo ou programas de TV e faz com o vídeo o mesmo que o DJ faz com a música). Mas, sua fonte de inspiração é a pintura. “Eu acredito que os pintores Caravaggio, Velázquez e Rembrandt foram os inventores do cinema, três séculos antes dos irmãos Lumière”, diz Greenaway. “Estão ali a dramaticidade e o jogo de luz e sombra que fizeram a grandeza do cinema narrativo nos anos 30 e 40. E é esse aspecto sensorial que o espectador absorve, muito mais do que a estrutura romanesca.”

Bem, ainda há muito que dizer sobre o tema hibridismo... A literatura que vai para o palco e o próprio teatro contemporâneo (alguém aí viu o recente festival RioCenaContemporânea ou a montagem de “Vau da Sarapalha” pelo grupo paraibano Piollin?) definem, hoje, um teatro sem limites, sem fronteiras. E, ia me esquecendo: já assistiram “Sonhos”, de Akira Kurosawa?

Um comentário:

Aline Gallina disse...

Oi... adorei este texto... ele tem tudo a ver com o tema do TCC que estou fazendo: A arte híbrida dentro e fora das artes.
Se você puder me ajudar com livros e/ou periódicos como referência, ficarei muito grata.
Abç. Aline