sexta-feira, fevereiro 25, 2011

um pouco de memória (e de explicação) faz bem

A publicação dos textos "um museu para a arte paraibana", "cadê o museu?" e "vanguarda e contemporaneidade" e "o acervo funesc: sua história", postados neste blog, tem uma boa justificativa: fornecer informações e esclarecimentos sobre o surgimento do Museu de Arte Contemporânea da Paraíba - MAC/PB.

Alguns destes textos não são de minha autoria - "um museu para a arte paraibana", do jornalista Elinaldo Rodrigues, e "cadê o museu?", da jornalista e professora Margarete Araújo -, e foram publicados em jornais de João Pessoa entre 1999 e 2001.

No entanto, a necessidade maior de republicá-los foi em virtude de algumas matérias veiculadas na imprensa local - sobre a Fundação Espaço Cultural da Paraíba-Funesc - em que se comentava algo como: "Minc aprova verba de 500 mil para Funesc criar o Museu de Arte Contemporânea da Paraíba" e, para melhor compreensão necessitávamos de rever estes textos.

Também, o texto "o acervo funesc: sua história", refere-se ao que foi divulgado na imprensa sobre a exposição Acervo Artes Visuais - Reserva Técnica, inaugurada em 19 de fevereiro de 2011, na Galeria Archidy Picado, da Funesc.

Boa leitura!

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

um museu para a arte paraibana*

* texto do jornalista, Elinaldo Rodrigues, publicado no jornal O Norte, em 21 de setembro de 1999

Em fax enviado recentemente a este jornal, o artista plástico Dyógenes Chaves contestou a possível “polêmica” anunciada em nota assinada por este repórter, quanto à criação do Museu de Arte Contemporânea em João Pessoa. Dyógenes explica que o projeto é da Funesc e foi enviado para o Ministério da Cultura em 1997. Na época ele foi preparado por Raul Córdula e Dyógenes, diretor do DDAC e coordenador de Artes Plásticas da Funesc, e Amélia Couto, técnica em museologia da Fundação Joaquim Nabuco. Recentemente, ele foi retomado pelo próprio Raul Córdula a convite da presidência da Funesc. Para Dyógenes, não há polêmica à vista, mas sim “erro de interpretação” em torno da palavra contemporâneo, que nem sempre significa vanguarda, portanto, podendo abrigar tanto instalações e obras modernas como os clássicos.

“Quando pensamos em criar um museu de arte em João Pessoa foi no intuito de assegurar um espaço para abrigar a ‘boa’ produção paraibana e também, para promover mostras de alto nível e que não chegam aqui por falta de um espaço museológico adequado. Portanto, jamais será um espaço para apenas essa ou aquela tendência artística. Quanto ao nome, podemos escolher qualquer denominação ‘técnica’ para o museu. Tanto faz. Somente achamos que devemos optar por um nome atual. sonoro, normal”, diz.

Ele salienta ainda que a “coleção que vai dar início ao acervo deste Museu será justamente formada de artistas ‘modernos’ (e alguns ‘clássicos’) como os paraibanos Flávio Tavares, Miguel dos Santos, Roberto Lúcio, Raul Córdula, Chico Dantas, Ivan Freitas, Maria Helena Magalhães, além dos primitivos Francisco Araújo e Ana Pamplona”, bem como vários outros artistas que também tem obras na pinacoteca da Funesc.

“O problema, parece, é que não se pode pensar em coisas grandes e importantes nesta cidade. Vem logo um reclamar. Talvez apenas por imaginar que será logo alijado do projeto. Nem pára pra pensar que qualquer que seja a ‘cara’ deste museu será a ‘cara’ da arte, daí, da liberdade de pensar e se exprimir ou nos benefícios de uma obra desta magnitude”.

Embora elaborado há dois anos, em torno da proposta de criação do Museu de João Pessoa não houve uma real interação com a comunidade artística local. Isso talvez explique um aspecto da polêmica que de fato existe sobre o assunto e as reclamações que surgiram tem suas justificativas. Nomes como Gabriel Bechara, Chico Ferreira, Hermano José, por exemplo, apontam para o fato de que até então as grandes obras produzidas no Estado sequer ganharam um espaço adequado para resguardá-Ias, muitas das quais encontram-se em estado de degradação em ambientes inadequados das instituições públicas. Há vários anos Hermano José tenta doar seu acervo, composto por obras de grandes artistas paraibanos, contudo até hoje as instituições públicas ligadas ao setor, não demonstraram interesse. Hermano, que também foi um dos responsáveis pela criação da Pinacoteca da Universidade Federal da Paraíba, lamenta que para este projeto de criação do Museu não seja realizado um debate entre os artistas para discutir o assunto.

Ao contrário do que acredita Dyógenes Chaves, a polêmica de fato existe, e é antiga, testemunhada por pessoas que almejam a preservação e dinamização das artes no Estado, como também dos que querem priorizar um segmento mais adequado ao termo contemporâneo. Quanto à nomenclatura “contemporâneo”, ela de fato remete a ideia de limitação, o que não decorre com instituições como o Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, o Museu Metropolitano de Nova York, o Museu do Louvre, em Paris, nos quais há várias subdivisões para abrigar os diversos segmentos e tendências artísticas. Além disso, como atesta Gabriel Bechara, “um museu já pressupõe uma coisa arquivada, e a arte contemporânea está em processo”, referindo-se ao fato de que um dia ela vai deixar de ser contemporânea.

Gabriel acrescentou que “ainda não é o tempo de se criar algo desse tipo na Paraíba. Afinal, João Pessoa já dispõe de um Núcleo de Arte Contemporânea e de um Museu de Arte Sacra e Popular (Convento de São Francisco), ambos de cunho restrito, mas não existe um museu de arte no Estado onde a arte paraibana possa ser vista em sua plenitude.”

A preocupação é que ao não considerar a opinião da comunidade artística num projeto de natureza pública se crie ambientes como o Espaço Cultural da Paraíba, que embora com uma estrutura grandiosa, funciona hoje precariamente. Ainda sob os auspícios da ditadura militar o empreendimento simplesmente foi implantado sem se levar em consideração as aspirações do meio artístico local, sobre como deveria funcionar um equipamento desse porte. Caso contrário o seu funcionamento poderia ter tomado um rumo mais dinâmico, acompanhando a efervescência da produção cultural paraibana.

cadê o museu?*

* texto da jornalista, Margarete Araújo, publicado no Jornal da Paraíba, em 01 de julho de 2001

Que a Paraíba sempre foi reconhecida como um celeiro de talento nas artes plásticas, todo mundo já sabe. O que poucos sabem e muitos querem ver, é a implantação do Museu de Arte Contemporânea, que desde o ano passado existe oficialmente por Decreto Lei instituído pelo governo do Estado. Só que até agora, a comunidade artística e o público paraibano esperam a sua concretização.

O que antes parecia um projeto simples desenvolvido pelos artistas plásticos Raul Córdula e Dyógenes Chaves, acabou virando em uma proposta arrojada e cara, o que tem impedido até o momento que ela saia do papel. Muita burocratização e pouco dinheiro. “O Museu de Arte Contemporânea da Paraíba foi ideia que apresentei quando exercia o cargo de diretor de Desenvolvimento Artístico e Cultural do Espaço Cultural, compartilhada por Dyógenes Chaves, chefe do setor de artes plásticas, e por Chico Pereira, na época, assessor da Secretaria de Educação e Cultura. A ideia foi encaminhada ao professor Sales Gaudêncio, então presidente da Funesc”, lembra Raul Córdula.

A ideia

De acordo com o artista paraibano, a ideia era simples, propor atividades museológicas dentro do Espaço Cultural. “Desde a realização do primeiro workshop de artes plásticas com a participação de artistas alemães e brasileiros, foi doada uma obra de cada artista. Os alemães doaram suas obras com a condição de que se organizasse uma reserva técnica, termo para definir sala dotada de equipamento técnico para conservação de acervo artístico, dotada de climatização e condições de conservação e restauro das obras”, comenta Córdula.

Essa era a base do projeto. Com a continuação dos workshops, oficinas e exposições na Galeria Archidy Picado, as atividades em relação à arte contemporânea cresceram na cidade, assim como as obras do acervo. Hoje, é considerado um referencial importante, já que abriga obras de importantes artistas paraibanos, como também de marselheses, através do intercâmbio com a Associação Le Hors-Là, alemães, portugueses e brasileiros de outros estados. Para Raul Córdula, nada melhor do que dotar esse acervo de uma estrutura museológica com a finalidade de atender tecnicamente a conservação das obras e criar uma relação curatorial entre a instituição e o público.

De acordo com idealizador, basicamente seria necessária a dotação técnica do espaço onde já funciona a atual reserva técnica “que hoje não passa de um depósito com as obras empilhadas, correndo todos os riscos de degradação, e da Galeria Archidy Picado e salas adjacentes”, argumenta. No projeto, a dotação técnica não seria mais do que mobiliário, com armários projetados para guardar telas, obras em papel, escuIturas, instalações, multimídias etc.; além de climatização com equipamento para manter o espaço com temperatura e índice de umidade permanentes, arquivo de obras e artistas informatizados para atender ao público estudantil, laboratório de restauração de arte com ênfase para a restauração de papéis, o que atenderia também ao acervo do Arquivo Público e do Museu José Lins do Rêgo, e sala de projetos e montagens.

Museu poderá ser instalado no próprio Espaço Cultural em JP

O espaço para a instalação do Museu seria o próprio Espaço Cultural. Para os idealizadores, o projeto caberia na verba que o PRONAC-Programa Nacional de Apoio à Cultura do MinC, destina para museus, acervos, bibliotecas e obras afins. Na fase de providências para encaminhamento desse projeto, a presidência da Funesc mudou. O atual presidente, professor Damião Ramos, encaminhou o projeto para aprovação do governador José Maranhão, que o criou por decreto.

Para Córdula, o projeto que poderia ter sido iniciado com os próprios recursos do Espaço Cultural, com seu próprio pessoal, e com a colaboração de especialistas funcionários do Estado, como restauradores e museólogos, foi substituido pela projeção de um edifício dentro do Espaço Cultural, algo mais caro que o projeto original, que orçaria em torno de R$ 70 mil reais. De acordo com suas informações, foi criada uma comissão com quase 20 membros para “pensar” o Museu. “Pensar o que já havia pensado. Criou-se então a fórmula do fracasso: uma obra cara e uma comissão para atrapalhar. Vocês viram o Museu de Arte Contemporânea da Paraíba? Nem eu.”, questiona.

Museu itinerante

Para o presidente da Funesc, professor Damião Ramos, as dificuldades para a implantação do Museu de Arte Contemporânea estão na verba esperada pelo Ministério da Cultura. Enquanto o dinheiro não vem, ele espera criar condições para que o museu ganhe vida e siga uma proposta itinerante.

O orçamento previsto por Damião para os cuidados técnicos e a construção do local é em torno de R$ 150 mil reais. “Estamos esperando que o MinC libere os recursos. Mesmo assim, o museu já existe. temos mais de 700 obras e tenho conversado com museólogos para que possamos desenvolver o que chamam de museu caminhante”, espera.

O coordenador de Artes Plásticas do Espaço Cultural, Dyógenes Chaves, espera que as leis de incentivo cultural, através do abono fiscal, possam dar andamento ao processo de instalação do museu, principalmente no que diz respeito ao acervo.

vanguarda e contemporaneidade*

* texto publicado no jornal O Norte, em 04 de janeiro de 2000

Um dos mais importantes acontecimentos das artes plásticas em nosso Estado foi a recente criação do Museu de Arte Contemporânea da Paraíba, através de decreto assinado pelo governador José Maranhão no último dia 5 de novembro do ano passado. A notícia foi tão alvissareira que ainda não houve tempo para melhor esclarecer conceitos, objetivos e a necessidade deste equipamento cultural em nossa cidade.

Antes de mais nada, o projeto deste MAC-Paraíba é antigo (em 1997, foi enviado ao Ministério da Cultura um pedido de apoio financeiro redigido por Raul Córdula e por mim, da Funesc, e Amélia Couto, técnica em museologia da Fundação Joaquim Nabuco). Mais recentemente, a ideia foi retomada pelo próprio Raul Córdula a pedido do presidente da Funesc, Damião Ramos Cavalcanti, para agilizar sua viabilização. O projeto prevê a instalação de uma reserva técnica nas dependências do Espaço Cultural José Lins do Rego a partir de ideia do arquiteto Expedito Arruda. É na reserva técnica (o coração de qualquer museu) onde se manuseiam, restauram, guardam e embalam as obras de arte com a ajuda de pessoal técnico especializado, além de climatizadores e desumidificadores de ar, por exemplo. Sem reserva técnica não pode existir acervo, sem acervo não existe museu. Simultaneamente, está previsto o treinamento de pessoal técnico e adequação de instalações e equipamentos profissionais nas dependências do Espaço Cultural. A nova painelagem para exposições já está pronta.

No que se refere ao nome escolhido para o Museu, algumas poucas pessoas imaginam polêmica à vista. Bobagem. Tudo não passa de erro de interpretação em torno da nossa opção de nomenclatura, ou melhor, por termos acrescentado o termo “contemporânea” ao nome do Museu, ficando então Museu de Arte Contemporânea da Paraíba. MAC-Paraíba. Estes puristas se confundem todos querendo que a palavra contemporânea signifique vanguarda, ou seja, temem que este Museu seja um espaço apenas para instalações, obras conceituais ou efêmeras. Aliás, Marcel Duchamp já realizava obras de vanguarda em 1917 e isso não quer dizer que estas obras sejam nossas contemporâneas. De acordo com o Dicionário Aurélio (1988), contemporâneo significa “que é do mesmo tempo, que vive na mesma época (particularmente a época em que vivemos)”. Quer dizer, qualquer obra pode ser contemporânea, dependendo apenas de que época, movimento artístico ou grupo de artistas a eles a mesma esteja vinculada.

Para felicidade destes ingênuos defensores da arte atual convencional (também contemporânea, portanto) a coleção que vai dar início ao acervo deste Museu será justamente formada de artistas “modernos” (uns mais, outros menos) como os excelentes paraibanos Flávio Tavares, Miguel dos Santos, Roberto Lúcio, Raul Córdula, Archidy Picado, Chico Dantas, Ivan Freitas, Sérgio Lucena, Chico Ferreira, Cláudio Santa Cruz, Chico Pereira, Marlene Almeida, Josildo Dias, Alice Vinagre, Sebastião Pedrosa, Régis Cavalcante e Maria Helena Magalhães, além dos primitivos Francisco Araújo e Ana Pamplona. Claro, além de vários outros artistas brasileiros que tem obras na nossa pequena pinacoteca como, por exemplo, Maria Bonomi, Alex Fleming, Aldemir Martins, Cosme Martins, Pierre Chalita, Luiz Hermano, Paulo Whitaker e mais alguns estrangeiros como Akbar Behkalan, Malu Schoop, Dieter Ruckhaberle, entre outros.

É bom esclarecer que pelo menos 70% deste acervo (pinturas, desenhos, gravuras e esculturas) foi formado a partir de workshops entre artistas brasileiros e alemães no inicio dos anos 1990. Não se desesperem, não há ainda a ideia de incluirmos obras conceituais e instalações neste acervo. Nos faltaria condições museológicas de armazenamento para este tipo de obra.

Aliás, quando pensamos em criar um museu de arte em João Pessoa foi no intuito de assegurar um espaço para abrigar a “boa” produção paraibana e, também, para promover mostras de alto nível e que não chegam aqui por falta de um espaço museológico adequado. Hoje, algumas destas mostras (Picasso, Basquiat, Beuys, Goya, Ianelli, entre outros) vem só até Recife, de onde também voltam (o mesmo acontece na música, teatro e dança, não?). Portanto jamais será um espaço dedicado a esta ou aquela tendência artística. Muito menos para artistas de ocasião e só aplaudidos por leigos e ingênuos. Será abrigo e orgulho da melhor arte paraibana.

Quanto ao nome, ora, é tolice discutir nome de museu. Mas, o papel do museu. Deve haver uma denominação “técnica” para o Museu. Um nome atual e sonoro. E com tudo aquilo que se espera de um museu contemporâneo no sentido de sua funcionalidade, atualidade e dinamismo, e não apenas para expor “arte”, mas para tentar discuti-la, explorá-la, entendê-la

Por exemplo, em qualquer lugar do mundo se comemora a instalação de um espaço para a arte. Não importa se é um espaço “novo” ou restaurado. Em São Paulo e Niterói, recentemente, foram criados (e restaurados) três museus de arte. Que maravilha para todos nós. O que importa é aumentar os espaços para a arte. Portanto, todos deveriam enviar congratulações ao Governador por essa atitude. E se há insatisfeitos, sugiro o que me disse um amigo: “Quem estiver achando ruim este Museu, que vá criar o seu.”

Implantação será em breve

O Conselho Diretor da Fundação Espaço Cultural da Paraíba aprovou, na última terça-feira, os nomes da comissão para implantação do Museu de Arte Contemporânea da Paraíba. Com a direção geral do presidente da Funesc, Damião Ramos Cavalcanti, compõem: Carlos André Cavalcanti (Diretoria de Desenvolvimento Artístico Cultural), Raul Córdula (artista plástico), Marcos Lontra (diretor e curador do Museu de Arte Moderna de Pernambuco), Dyógenes Chaves (coordenador de Artes Plásticas), Solange Bandeira (diretora da Galeria Archidy Picado), Expedito Arruda (arquiteto), Régis Cavalcanti (artista plástico e arquiteto), Tânia Suassuna (técnica em educação), Tadeu Pinto (empresário) e Enilda Vieira (assessora cultural da Funesc).

Segundo Damião Cavalcariti, a comissão terá um prazo de quatro meses para instalação do Museu, no sub-mezanino da Rampa 2 da Funesc. Com isso, as perspectivas indicam que durante o VI Fenart já estará funcionando. Ele acrescentou que, ao entregar o projeto de obtenção de recursos para adaptação do local, o MAC-PB foi bastante elogiado pelo secretário do Ministério da Cultura, Otávio Elísio, bem como pelo museólogo Marcos Lontra. Este comentou que será o maior do Nordeste, em espaço físico, visto que ocupará uma área de cerca de 800 metros quadrados.

O Museu de Arte Contemporânea da Paraíba foi criado pelo governador José Maranhão, através do Decreto nº 20.696, de 05 de novembro de 1999. Damião informou que, para a inauguração do Museu, serão convidados renomados artistas, em nível internacional. Antecipou os nomes de Tomie Ohtake, Antônio Dias, Albuquerque Mendes, dentre outros artistas portugueses que virão para o Fenart, em comemoração aos 500 Anos do Descobrimento do Brasil.

sábado, fevereiro 19, 2011

o acervo funesc: sua história

A Fundação Espaço Cultural da Paraíba é a principal instituição cultural da Paraíba, não apenas no âmbito do governo estadual. Também é responsável por dois importantes espaços físicos da cultura paraibana: o Theatro Santa Roza, um dos mais expressivos teatros históricos do Brasil, e o Espaço Cultural José Lins do Rego - projeto do arquiteto Sérgio Bernardes - um gigante de 52 mil metros quadrados composto de teatros, cinema, galeria de arte, planetário, centro de convenções, biblioteca etc. Em sua trajetória de quase trinta anos, a partir de 1983, a Funesc tem obtido alguns êxitos marcantes, a exemplo do Festival Nacional de Arte-Fenart, já em sua décima terceira edição.

No final dos anos 1980, a Funesc abrigou uma gigantesca mostra de arte alemã, seguida de dois workshops entre artistas brasileiros e alemães, quando se iniciaram as possibilidades de convivência e troca entre estes dois países. Ao mesmo tempo em que se experimentava o trabalho nas oficinas coletivas, nascia o acervo Funesc com a doação de obras de arte formando a partir daí, e por esse motivo, um conjunto muito homogêneo.

Após isso, outras obras de artistas paraibanos, especialmente, se juntaram ao acervo, como também algumas doações de artistas proeminentes nas artes plásticas do país, como as gravuras de Maria Bonomi e Aldemir Martins, ambas doadas em 1993 durante a mostra Xilogravura: Do Cordel à Galeria, com a curadoria de Leonor Amarante.

Um dos três acervos de artes plásticas mais importantes do Estado, a Funesc emprestou quase metade das obras da exposição Memória das artes visuais na Paraíba – do século XIX à contemporaneidade (março a maio de 2008, na Usina Cultural Energisa). Destaque para o painel coletivo A Pedra do Reino, de Flávio Tavares e Sérgio Lucena, realizado em 1988, logo após a mostra Arte Atual de Berlim, em homenagem a Ariano Suassuna e "viajando" em um clima medieval em que se destacam figuras boschianas pintadas por Sérgio Lucena, enquanto Flávio parece ser o arquiteto maior da pintura. A obra foi adquirida pelo Governo do Estado ao lado de mais outros dois painéis nas mesmas dimensões e também realizadas a quatro mãos. Do ponto de vista histórico, a Funesc apresenta nesta mostra outras obras emblemáticas para a compreensão da arte paraibana, por exemplo, um desenho de Chico Pereira, de 1967, realizado numa época de grandes acontecimentos nas artes plásticas da Paraíba: da criação do Museu de Arte Assis Chateaubriand à participação de artistas locais na Bienal da Bahia e Bienal de São Paulo, até a instalação em praça pública da escultura Porteiro do Inferno.

Em 1997, durante a gestão de Raul Córdula na direção da DDAC/Funesc e minha, na coordenação de artes plásticas, e sabendo da urgência de uma reserva técnica para o recente acervo foi planejado um projeto bem maior: a criação do Museu de Arte Contemporânea da Paraíba-MAC. Em 1999, Damião Cavalcanti, presidente da Funesc, convencido da importância do tema, retomou o assunto e constituiu uma comissão de implantação do MAC. O então governador José Maranhão assinou Decreto (nº 20.696, de 05/11/1999) criando o museu e dando partida para angariar recursos para sua implantação (o projeto arquitetônico era de Expedito Arruda e o texto original, feito por mim e por Raul Córdula, foi entregue ao então senador Ney Suassuna para buscar apoio financeiro junto a órgãos de fomento cultural e estatais).

Infelizmente, tudo permaneceu parado em função do novo governo (Cássio Cunha Lima) que ignorou totalmente esse projeto, apesar dos meus inúmeros ofícios (falando sempre da urgência de implantação do museu e das condições do acervo) enviados aos vários presidentes da Funesc.

Em função do descaso oficial e reconhecendo o tamanho do problema (as condições do acervo), fizemos (com a ajuda técnica dos restauradores Fernando Diniz e Dulce Enrique), em 2004, um projeto para captar recursos junto a editais de cultura (que incluíria a instalação de reserva técnica e a restauração de 15 obras do Acervo Funesc). E o enviamos, mais de uma vez, para o FIC Augusto dos Anjos, à Lei Rouanet e ao Programa BNB de Cultura. Não obtivemos nenhuma resposta positiva.

Em junho de 2009, ainda como coordenador de artes plásticas da Funesc, tomamos a iniciativa de reenviar este mesmo projeto – sem tirar nem por – ao Programa BNB de Cultura 2010, que foi aprovado em final de novembro de 2009. Eis que em fevereiro de 2011 o projeto é finalizado e sua realização propõe um novo tempo para a guarda e manutenção das obras de arte pertencentes à Funesc. Entre os trabalhos restaurados estão obras dos artistas Josildo Dias, Sebastião Pedrosa, Raul Córdula, José Rufino, Chico Dantas, Alice Vinagre, Alberto Lacet, Roberto Lúcio, Marlene Almeida e Akbar Behkalam. Registre-se que a restauração das obras foi conduzida pela equipe de restauradores formada por Álvaro Neves, Fernando Diniz e Dulce Enrique e foram realizadas no Laboratório de Restauração, instalado na Fundação Casa de José Américo.

Muito embora, nas matérias publicadas na imprensa local desde o ano passado, o atual coordenador de artes plásticas, Sidney Azevedo, e o ex-presidente da Funesc, Maurício Burity, deselegantemente, põem a culpa das condições precárias do Acervo na gestão passada. Atitude injusta, mas muito comum na administração pública: colocar a culpa no antecessor. "O dinheiro [obtido junto ao Programa BNB de Cultura: R$ 39.700,00] será aplicado na galeria e na restauração de 15 obras de artistas paraibanos que foram se deteriorando ao longo do tempo, fruto da má conservação e da falta de manutenção das obras"; "Quando assumiu a coordenação de artes visuais da Funesc, há pouco mais de um ano, Sidney Azevedo encontrou as obras acondicionadas de maneira totalmente inapropriada e sem a devida manutenção"; "A Galeria Archidy Picado, unidade cultural da Fundação Espaço Cultural da Paraíba, possui um acervo com obras de importantes artistas locais, nacionais e estrangeiros, predominando a pintura, o desenho e a gravura. Este acervo vem sendo adquirido ao longo dos anos, e se encontrava guardado sem o correto acondicionamento, numa sala inadequada, o que causou danos às obras, alguns irremediáveis", são algumas das matérias publicadas em vários jornais da cidade. Má fé ou falta de memória?

Ora, já sabíamos das precárias condições em que as obras se encontravam, portanto, apesar de minhas limitações de poderes na Funesc nestes anos todos, não poderia ficar satisfeito em ter sido tratado como o responsável – mesmo que indiretamente – pela situação em que se encontravam as obras do acervo. Também, deve-se dizer que todo o investimento nesta ação foi externo (via Programa BNB de Cultura) atestando o pouco investimento financeiro da Funesc nesta área além da pífia performance de artes visuais no último Fenart. Neste 2010, apenas se salvou o edital de ocupação da Galeria Archidy Picado que apresentou ótimas exposições, sem dúvida.

Atualmente, a Funesc se prepara para implantar o Museu de Arte Contemporânea da Paraíba que, esperamos, receba os recursos prometidos pelo Ministério da Cultura na gestão passada e seja conduzido com a ajuda de especialistas e técnicos da área de museologia, e, principalmente, que seja respeitado o trabalho de tantos outros profissionais que tem levantado a bandeira das artes plásticas na Paraíba desde muitos anos.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

obras de arte nas ruas, praças e edifícios: é necessário?*

* texto publicado na Revista de Turismo nº 255, João Pessoa, novembro de 2010

A maioria das exposições realizadas em João Pessoa (e até no país inteiro), no circuito comercial, tem nos mostrado pinturas, desenhos, fotografias e gravuras. É verdade que a escultura tem sido muito menos mostrada que as demais. No entanto, aqui e ali há aparições da produção em cerâmica sendo compreendida também como escultura. Aliás, muito justo. O que sempre houve foi um preconceito contra os ceramistas, tratando-os, às vezes, apenas como artesãos. Pura besteira. Basta apreciar a obra de artistas como Miró, Brennand e Chico Ferreira ou ainda pensar no que diz o nissei Megumi Yuasa: “Eu gostaria que a cerâmica não ficasse dentro de um espaço fechado, colocada numa estante ou coisa assim, mas que ela tivesse uma colocação ambiental, que tivesse a continuidade da terra”.

Também é importante relacionar a produção em escultura com a matéria prima que seja mais abundante na região. Em Minas, por exemplo, há abundância do aço, do ferro e de rochas mais moles. No Norte, predomina a madeira; no Nordeste, a argila. E, neste caso, há o referencial das feiras populares em que o design em cerâmica está presente nos utilitários e santos de devoção do povo nordestino. Também, não podemos esquecer a referência sintomática da decadência da indústria pesada tão evidente na obra do paraibano Jackson Ribeiro, que sempre trabalhou utilizando restos da sucata industrial.

Trazendo o assunto para nossa cidade, chegamos à conclusão que a escultura não acompanhou o seu crescimento vertiginoso. Refiro-me a obras colocadas ao ar livre e não àquelas que podem ser vistas em museus e galerias. Dentre as poucas obras públicas existentes deve-se citar o conjunto escultórico da Praça João Pessoa, no centro da cidade, afora bustos e estátuas em outras praças. Nesta linha ainda há outros exemplos no cemitério da Boa Sentença. Na verdade, estas são obras clássicas, fundidas em bronze e provenientes de um gosto bem fin de siècle. Recentemente, a Prefeitura Municipal criou o Concurso Jackson Ribeiro de Arte Pública e selecionou seis obras que estão sendo instaladas em giradores da cidade. Apesar de iniciativa louvável e do esforço do júri de premiação, as obras são de autoria de artistas que jamais realizaram uma obra de arte pública, com exceção do artista paraibano Erickson Brito, que já trabalha com escultura há anos. Já a escultura mais importante da cidade é a obra de Jackson Ribeiro, Porteiro do inferno, instalada inicialmente ao lado da Igreja Batista e da antiga Faculdade de Filosofia (FAFI) e, finalmente, após desnecessárias polêmicas, agora “residindo” no girador da UFPB.

Para não se deixar pensar que a arte pública seja só escultura, é bom citar alguns outros autores e suas obras espalhadas pela cidade: Flávio Tavares (Clínica São Camilo e Hemocentro), Raul Córdula (Assembléia Legislativa), Miguel dos Santos (Asplan e Parque Solon de Lucena), Rodolfo Athayde (Conselho Regional de Medicina e Unicred), Alberto Júnior (Colégio Pio X), Chico Dantas (Aeroporto Castro Pinto) e Euclides Leal (Clínica Ely Chaves), afora os vários murais de Chico Ferreira espalhados pela cidade. Todas realizadas em lajotas de cerâmica para piso ou azulejo (exceção às obras de Raul Córdula e de Miguel dos Santos).

Deve-se registrar que esta é uma quantidade ínfima de obras públicas, se levado em conta o fato de existir uma Lei Municipal que garante a instalação obrigatória de obras de arte, de fácil visibilidade externa e confeccionada em material resistente, em prédios com mais de 2.000 metros quadrados de área construída. A Prefeitura de João Pessoa, através da Secretaria do Planejamento, atualizou as normas de aplicação desta lei, mas ainda falta melhor cuidar do seu acompanhamento, que começa a partir do pedido de licença para construir um prédio nestas condições. Para mim, a Lei dos Edifícios, como está, deveria ser extinta tal a péssima “qualidade” de muitas das obras beneficiadas. Como sugestão, a Prefeitura poderia premiar – isenção de impostos? – aquelas construtoras que utilizam esta Lei de forma espontânea e responsável e instalam boas obras (e de artistas experientes), que tornam ainda mais bela a cidade.

Ora, toda sociedade tem uma maneira de se identificar através de seus símbolos e monumentos. Se já temos o Cabo Branco e os conjuntos barrocos da Guia e de Santo Antonio, no entanto, precisamos ter outras boas referências de arte pública. E alertamos que a irresponsabilidade de instalar esculturas, aleatoriamente e sem envolver construtoras, arquitetos e bons artistas, poderá nos legar, futuramente, verdadeiros monstros de ferro e de falso plástico.