quinta-feira, outubro 18, 2007

por que alguns andam para trás?

O artista Allan Kaprow (1927-2006), no texto “O legado de Jackson Pollock” dizia: “Não satisfeitos com a sugestão, por meio da pintura, de nossos outros sentidos, devemos utilizar a substância específica da visão, do som, dos movimentos, das pessoas, dos odores, do tato. Objetos de todos os tipos são materiais para a nova arte: tinta, cadeiras, comida, luzes elétricas e néon, fumaça, água, meias velhas, um cachorro, filmes, mil outras coisas que serão descobertas pela geração atual de artistas”. E encerrava, categórico: “Jovens artistas de hoje não precisam mais dizer ‘Eu sou um pintor’ ou ‘um poeta’ ou ‘um dançarino’. Eles são simplesmente ‘artistas’.”

O artigo foi publicado há quase cinqüenta anos. Esse período – a passagem dos anos 50 para os 60 –, poderia ser compreendido como o marco divisor entre o moderno e o contemporâneo. Para o professor de Filosofia e curador Fernando Cocchiarale, “No campo da arte, a principal diferença entre o moderno e o contemporâneo talvez esteja na crise da idéia de autonomia da arte formada ao longo dos últimos 200 anos. Os artistas modernos estavam primeiramente interessados na pesquisa e invenção formais, nos elementos exclusivos das linguagens da arte (cor, luz, espaço, plano, volume, matéria, grafismo). Daí a força adquirida pela arte abstrata, ponto culminante do projeto de uma arte autônoma. Mas entre os anos 50 e 60 esses valores dão lugar a uma brusca reorientação que marca os primórdios da arte contemporânea. Se confrontarmos o caráter altamente especializado das vanguardas modernistas (especialização semelhante à de todas as atividades profissionais modernas, das liberais às tecnológicas, científicas e industriais) com o começo da contemporaneidade, é visível como esta última transborda o campo específico que a modernidade havia construído, em busca da reaproximação e da integração da arte com a própria vida.”

A arte contemporânea surge, a partir daí, colocando em questão o próprio valor da arte e outros temas intrínsecos ao fazer artístico, como a idéia de representação, por exemplo. Não que o fazer artístico não tenha sido importante para os artistas modernos, que também abordaram a noção de como e se a arte pode representar algo. Mas, o que se viu nesse período foi um passo mais radical. Segundo a professora da UFRJ, Glória Ferreira, “Enquanto os modernos expandem os limites da arte, os contemporâneos quebram todos esse limites”.

Mas, constatamos que a arte hoje parece ter ainda maior dificuldade de ser apreendida pelo público do que a produção moderna e a demanda por explicações parece ter aumentado consideravelmente, basta conferir a proliferação dos setores de educação das instituições culturais e museus em escala mundial. Dentre os motivos dessa difícil comunicabilidade, talvez, esteja o fato que “as obras e intervenções dos artistas de hoje são tão parecidas com a vida que o público não mais as reconhece como artísticas (estéticas).”, sugere Cocchiarale.

Claro, as afirmações acima são todas fundamentais para se tentar compreender a arte que fazemos hoje em dia. Ou melhor, a arte contemporânea (que alguns ainda confundem como arte de vanguarda, conceitual e outras besteiras). E, além disso, as pessoas precisam saber que o “sistema da arte”, tal como conhecemos hoje, tem pouco mais de duzentos anos. É apenas no século XVIII que a obra de arte ganha espaço apropriado (museus), é entregue a galeristas e comerciantes de lojas de decoração, passar a ser comentada e estudada por jornalistas e críticos de arte... Antes, a maioria dos artistas trabalhava anonimamente e nem se preocupava pela assinatura na obra. A burguesia européia é que transformou o artista em um “popstar” ao propor a competição como fator de sucesso e riqueza. Ou seja, aquele que era bem sucedido era o melhor pago, e vice-versa.

E, mesmo sendo estes assuntos fundamentais para se discutir “forma e conteúdo” na e da arte contemporânea, quase nunca pensamos (nós, artistas, principalmente) nisso tudo. Em tempos de globalização, de Internet e Google, será que ainda há “artistas” fora da realidade? Desinformados? Quem sabe, atraídos pela fascinação e o “status” que a arte proporciona não tenham tempo para pensar nas transformações do mundo, da arte? Ora, não mais podemos pensar a arte separada das questões mais candentes e das carências do mundo hoje. Não se pode mais separar arte da vida.

Faz tempo acabou o sonho. Acordemos. Hoje, como também diria Kaprow, não há mais palavras para designar ou classificar a variedade da produção artística com o rigor especializado das teorias formalistas modernas. Não há mais “ismos” e categorias para classificar os movimentos e estilos artísticos. Há só arte e artistas. Eu, pessoalmente, não entendo como alguns ainda se acham apenas “pintores”, “poetas” ou “bailarinos”. São é artistas. Pelo menos, se assim forem mesmo.

Na ciência, busco os especialistas (na medicina, especialmente). Na arte, prefiro os multiartistas, sempre inquietos e curiosos que “jogam em todas as posições”. Leonardo da Vinci e Abraham Palatnik são considerados pintores, gravadores, arquitetos, inventores. Pedro Osmar, Sandoval Fagundes e Arnaldo Antunes mesclam poesia, música, performance, vídeo e artes gráficas. Raul Córdula, Antonio Dias, José Rufino, Rodolfo Athayde e Anna Bella Geiger brincam na cenografia, cinema e noutras categorias (gravura, fotografia, joalheria, pintura, objeto, instalação). Os pintores Hélio Oiticica, Mondrian, Kandisnky, Malevitch, Torres Garcia e João Câmara também atacaram de teóricos. A gravadora Maria Bonomi faz escultura. W. Solha pinta, escreve e atua. Picasso experimentou de tudo. E Paulo Bruscky é o próprio multiartista.

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