terça-feira, março 22, 2011

as mulheres nas artes plásticas*

* texto publicado no jornal O Norte, em 09 de março de 2008

Fazendo uma análise da produção brasileira nas artes plásticas é notório o reconhecimento da presença feminina em apenas identificá-las como "artistas amadoras", ou seja, não-profissionais. No início do século passado a crítica especializada, então porta-voz do campo das artes, já relutava em considerar as mulheres artistas como dignas de uma apreciação séria. No artigo “Eternamente amadoras: artistas brasileiras sob o olhar da crítica (1885-1927)”, da professora Ana Paula Simioni, há várias citações de críticos e intelectuais como Monteiro Lobato, Félix Ferreira, Luis Gonzaga Duque-Estrada, João do Rio e Angyone Costa, em que, sistematicamente, tratam essa presença feminina através de metáforas como “sensíveis”, “invasão feminina”, “decadência”. Para eles essa invasão feminina era sinal de fraqueza de alguns salões de arte tornando-os um desfile de mediocridades.

Na Paraíba, nos anos 1920, a pintora Amelinha Theorga mereceu elogios de intelectuais nos jornais da época, mas, sua pequena atuação restringiu-se ao tempo em que era solteira. Provavelmente, também foi agraciada com adjetivos “bombons” como citado no famoso artigo “Paranóia ou mistificação?”, de Monteiro Lobato, em que este desanda a julgar a obra de Anita Malfatti através de um olhar conservador e anti-modernista, apesar de “tentar” dedicar-lhe um tratamento de “profissional das artes”, termo só atribuído aos homens.

No catálogo da primeira exposição brasileira dedicada à presença feminina nas artes (São Paulo, 1960), havia a afirmação de que antes das modernistas (p.e., Anita Malfatti e Tarsila do Amaral) houve apenas “heroínas melancolicamente frustradas que arrostavam incompreensões, preconceitos e caipirismos, numa época em que não havia salões nem galerias e em que seus pendores habituais se limitavam à arte aplicada das almofadas, rendas, bordados, flores artificiais etc.”. Podemos imaginar que, como Amelinha Theorga, deve ter surgido outras “moças” na produção de pinturas em nossa terra, mas, diante deste tratamento excludente, parecem jamais terem existido, e seus nomes e trajetórias desconhecidas. É só aí, nos anos 60, que aparecem nomes femininos nas artes plásticas da Paraíba (Carmem Dea, Terezinha Camelo, a professora Lourdes Medeiros e a jovem promessa Celene Sitônio, entre outras) em meio a dezenas de poetas e artistas do sexo masculino.

Mas, é nos anos 1980 que, definitivamente, as mulheres paraibanas ganham destaque como artistas. Em que pese o pequeno número, é evidente a projeção de algumas artistas, como Alice Vinagre, dona de uma pintura expressionista vigorosa e ex-aluna da turma infantil (Profª Lourdes Medeiros) do Departamento Cultural da UFPB, que, após concluir o curso de Belas Artes na UFRJ passa a arrebatar prêmios em eventos nacionais. Entre outras, se destacam: Marlene Almeida, com uma obra de engajamento político-ecológico e nome fundamental na criação da Associação dos Artistas Plásticos Profissionais da Paraíba, vindo a ser, depois, coordenadora de artes plásticas da Funesc; Rosilda Sá, ceramista competente e pesquisadora nesta categoria; e, a pintora Maria Helena Magalhães, oriunda de Belo Horizonte, onde concluiu o curso de Belas Artes. Hoje, as duas últimas são professoras do curso de Artes Visuais da UFPB.

Na arte naiff, há especial atenção para as artistas – inclusive, algumas já surgindo com certa idade – Dona Dalva, Dona Irene, Isa Galindo, Ana Pamplona, e a jovem Letícia Lucena (filha de José Lucena). Na arte da cerâmica, além de Rosilda Sá, aparecem Gina Dantas e Maria dos Mares. Na gravura, a religiosa Helle Bessa, Lívia Marques (atual professora da UFPB) e Carmem Trevas são nomes que se destacam desde o final dos anos 1970. Além de Rose Catão e Ivanusa Pontes, alunas de gravura de José Altino.

Paraibana, mas com cursos em Recife e no Rio de Janeiro, Fábia Lívia de Carvalho chega a ganhar prêmio no Salão dos Novos antes de fixar residência na Suíça, onde alterna estadia entre Basel e João Pessoa. Mesmo produzindo uma obra figurativa mais afeita ao mercado de arte local que às tendências contemporâneas, deve-se citar a escultora Rosa Queiroz e as pintoras Pepita e Dory Focke (que pouco atuam nos dias atuais). De Campina Grande, lembro de Lili Brasileiro e Zilene Neiva, surgidas na mostra Arte Atual Paraibana, em 1990, e Margarete Aurélio, hoje residindo em João Pessoa, esta, um raro talento no desenho à pastel.

Em meados dos anos 1990, com a criação do Centro de Artes Visuais Tambiá, capitaneado pela família Almeida (Antonio Augusto, Marlene e José Rufino), suas atividades fomentam importante intercâmbio com a Alemanha e promovem o surgimento de várias artistas de talento, entre estas, destaque para Célia Araújo, Neuma Sales e Alena Sá (breve lançando livro com o resultado de suas pesquisas sobre a COR). Já nos anos 2000, a Associart (que, apesar do nome, não é a mesma associação dos artistas dos anos 70) junta um grupo de jovens senhoras, algumas ex-alunas do CAVT, dispostas a organizar exposições de artes plásticas.

Diz Ana Paula Simioni: “Compreender as razões da exclusão das mulheres do panteão artístico ultrapassa a perspectiva do simples ‘resgate’ de suas obras e trajetórias; implica um questionamento mais profundo sobre as razões e o modo com que se operou tal obscurecimento coletivo”. Mas, estamos em novos tempos de emancipação da mulher e sua presença deve ser mais observada que apenas pelo viés de um suposto “feminino universal”. Por mais que isso ainda esteja em nosso inconsciente “machista”.

segunda-feira, março 14, 2011

o papel da crítica de arte na contemporaneidade*

* texto apresentado no seminário Arte na contemporaneidade, Campina Grande, em 17 de março de 2011

Minha participação neste evento não poderia se dar de outra forma que não a partir de minha própria experiência. E há dois momentos “cruciais” que, definitivamente, vieram apontar para a escolha que fiz, ou seja, atuar nas artes visuais como artista, curador e também crítico, editor ou jornalista cultural. Um destes momentos foi o meu primeiro deslumbramento com a arte contemporânea, no início dos anos 1980, através do contato com o Núcleo de Arte Contemporânea-NAC da UFPB.

O outro momento aconteceu alguns anos depois, aqui em Campina Grande. Eu dividia o mesmo apartamento com o artista e crítico, Raul Córdula, e ele me alertava da necessidade dos artistas plásticos, no Nordeste, eles mesmos, terem de escrever seus textos e ensaios críticos: “Não temos tantos estetas atuando por estas bandas do Nordeste e, pior, aqueles que escrevem bem moram agora entre o Rio e São Paulo”, disse ele.

Em 1990, Raul escrevia na hoje extinta Revista Galeria (número 21, edição de agosto-setembro): “Além da luta por espaços expositivos, os artistas nordestinos engajados numa produção ‘progressista’ sofrem a carência de textos que teorizem suas produções em uma terra onde o papel da crítica é substituído por um colunismo social a serviço da produção de pintura tradicional que, na maioria das vezes, apenas se parece com uma produção de arte”. Após isso, fiquei certíssimo que eu deveria não só escrever, mas também, e principalmente, publicar.

E daí, eu passei a enviar, insistentemente, colaborações e textos para os jornais locais (em João Pessoa, há quatro jornais diários e, nos anos 1960, havia quatro ou cinco pessoas escrevendo sobre cinema!). Finalmente, após minha entrada na ABCA, ganhei uma coluna semanal, aos domingos, no jornal O Norte, e outra, quinzenal, no Correio das Artes, suplemento do jornal A União. E isso foi entre 2005 e 2010.

Sobre esta atuação na imprensa, devo reconhecer que isso merece uma reflexão. Muitas vezes tenho a preocupação de que os textos publicados num jornal diário devem ser compreendidos, pelo menos, por leitores comuns. Por isso, sempre os “submetia” à minha mãe. Afinal, para quem se destina tanto material?

Depois, tentava aproveitar o espaço para tratar de assuntos até referentes à história da arte, como uma atuação mesmo de professor. Na maioria das vezes, muito natural, escrevia apenas sobre artistas que eu conhecia e acompanhava a trajetória.

Mesmo assim, comecei a pensar num veículo próprio para publicar textos e ensaios de outras pessoas sobre artes visuais, como espaço adequado para a reflexão – e informação – sobre a arte contemporânea produzida no Nordeste. Afinal, o espaço dos jornais era generoso, no entanto, efêmero. O artista Chico Pereira dizia que “o jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã.” E daí vieram as revistas Pessoa e Cadernos de Cultura (esta última, através da Subsecretaria da Cultura da Paraíba), ambas, impressas em preto e branco sobre papel jornal.

Indo direto ao assunto do papel da crítica de arte na contemporaneidade, como sugere este seminário, quero lembrar que há uns vinte anos, no Rio de Janeiro, aconteceu um encontro promovido pela Funarte e que contou com a presença de jornalistas e críticos de arte das suas várias categorias, com o objetivo de debater sobre o papel da crítica exercitada nos jornais diários.

Logo se chegou à conclusão que apenas os suplementos de cultura – ou seja, os encartes dos finais de semana –, seriam um bom lugar para a crítica propriamente dita, já que a sua leitura poderia ser digerida durante a semana.

Também se concluiu que havia clara diferenciação entre cada categoria das artes e o papel da crítica junto a ela. No cinema, na dança e no teatro, por exemplo, a atuação da crítica poderia influenciar o público promovendo o sucesso ou o fracasso de um espetáculo. O famoso bonequinho do jornal O Globo quando aparecia aplaudindo, era sinônimo de casa cheia no teatro ou no cinema. E todos olhavam atravessado para um espetáculo quando o bonequinho oferecia sua cara zangada.

Pois é. O elogio de um crítico de cinema ou de teatro vira trunfo e é logo pinçado para constar no press release ou no cartaz do espetáculo com o objetivo de convencer mais e mais pessoas a lotar o teatro ou o cinema.

O fato é que estas áreas exigem certa “iniciação” do público, e o crítico de arte atua com importante papel no seu julgamento ou enquadramento: vá, ou, não vá. Na literatura, o crítico pode influenciar na hora de comprar um livro, mas não tanto. A lista dos mais vendidos – os best sellers – também é um dos melhores indicativos para se comprar um livro. Na música, tudo pode estar relacionado ao gosto (?) do crítico. Aí, a crítica pode extrapolar os critérios necessários a uma boa análise e, assim, falar mal de uma música ou de um artista nada significará se houver empatia entre eles e o grande público. Os críticos, freqüentemente achincalhados como “artistas frustrados”, podem facilmente estabelecer uma relação de amor ou de ódio com os artistas ou com seus fãs.

Já, nas artes visuais, a coisa pega. Para início de conversa, um elogio qualquer não vai fazer um artista plástico vender sua produção. Depois, alguns textos críticos são muito herméticos dificultando assim o acesso à compreensão (?) de uma obra de arte. Afinal, o texto crítico deveria fazer diminuir a distância que separa a obra de arte de seu significado e tentar aproximá-la do público não-especializado. Quem leu os textos de Mário Pedrosa, sempre em linguagem clara e objetiva, sabe do que estou falando. O fato é que houve certo distanciamento entre o público, o artista e a obra de arte.

“O papel da crítica não é criar polêmica, mas procurar espaço para o confronto de ideias e a disseminação de sentidos para as obras de arte... Cabe à crítica, acima de tudo, responder às demandas de sua época, adaptando-se sem maiores temores e com um mínimo de ousadia, aos espaços que lhe são concedidos”, diz Luiz Camillo Osório, crítico de arte do jornal O Globo e que acaba de lançar o livro “Razões da crítica”, da Jorge Zahar Editor.

Para finalizar, quero reafirmar a importância da produção de teoria e crítica de arte nas regiões “fora do eixo” e reivindicar maior atuação da Universidade neste assunto. Além da escassa produção de ensaios e textos críticos, muito embora a Universidade cumpra em parte esta função e demanda, há de cobrarmos a realização de mais workshops e oficinas de crítica de arte, como alguns que tem acontecido em Recife, promovidos em eventos como o SPA. Ano passado, na Usina Cultural Energisa, o crítico e professor, Fernando Cocchiarale, ministrou uma dessas oficinas para um grupo de 10 pessoas, numa promoção conjunta do MAMAM e Programa BNB de Cultura.

Memória da crítica de arte no Brasil

Em 1949 foi criada a Associação Brasileira de Críticos de Arte, com ideais de aglutinar intelectuais e valorizar a cultura que surgia como elo para a reconstrução de novos tempos, à procura de uma realidade mais humanitária no mundo. E isso aconteceu paralelamente à criação da Associação Internacional de Críticos de Arte, ligada diretamente à Unesco, em Paris.

A ABCA, segundo seus estatutos, “tem por objetivo promover a aproximação e o intercâmbio entre os profissionais que atuam na área da crítica de arte, aí amplamente incluídos os profissionais da crítica, pesquisadores, historiadores, teóricos, ensaístas, jornalistas, jornalistas culturais e professores de história da arte e de estética. Incentiva a pesquisa e a reflexão sobre a arte, contribuindo, para a produção artística e da teoria da arte”.

Neste período, dois nordestinos se destacaram na AICA: o pernambucano Mário Pedrosa e o paraibano Antonio Bento (aliás, pouca gente sabe quem foi Antonio Bento). A ABCA, através destes nomes e ao lado de Mário Barata e de Sérgio Milliet, promoveu os encontros internacionais de 1951, durante a primeira edição da Bienal Internacional de São Paulo, e de 1959, em Brasília, que foram marcantes nas discussões sobre o papel da crítica e sua relação com as teorias e as humanidades, além de determinar a inclusão do Brasil no cenário cultural internacional, das artes plásticas à arquitetura. Outro paraibano, José Simeão Leal, médico e artista plástico bissexto, também atuou como crítico de arte chegando à presidência de honra da ABCA, nos anos 80. Além de Simeão e Antonio Bento, outros paraibanos também atuam (ou atuaram) na ABCA, entre estes, Tomás Santa Rosa, Risoleta Córdula, João Câmara Filho, Chico Pereira, Eudes Rocha Júnior, José Altino e Raul Córdula. A ABCA, hoje, tem sede em São Paulo e, por isso, está mais ligada aos pesquisadores e professores da Universidade de São Paulo. Seus encontros regionais, realizados desde o final dos anos 80, tratam da disseminação da liberdade de experimentar a análise da obra de arte.

E, além destes, podemos citar outros intelectuais que tem atuado na área da crítica de arte na Paraíba: Paulo Sérgio Duarte, Rubem Navarra, Madalena Zaccara, Walter Galvão, Fábio Queiroz, William Costa, Gabriel Bechara, Virgínius da Gama e Mello, Vanildo Brito, Hermano José, Juca Pontes, Carlos Aranha, entre tantos outros.

domingo, março 13, 2011

para que serve o curador de artes visuais*

* texto publicado no jornal O Norte, em 15 de julho de 2007

Segundo o Dicionário Aurélio, curador é aquele que tem, por incumbência legal ou judicial, a função de zelar pelos bens e pelos interesses dos que por si não o possam fazer. Claro, estamos falando numa seara do Direito. A origem epistemológica da palavra curador vem do latim (curatore), que significa tutor, “aquele que tem uma administração a seu cuidado”. Nas artes visuais, o curador é aquele que “zela por uma coleção ou a concebe, organiza e supervisiona a montagem de uma exposição”.

Na verdade, o termo ‘curadoria’ é recente na área das artes visuais. No Brasil, ganhou contornos conceitual e prático no início dos anos 1980, com Walter Zanini à frente da Bienal Internacional de São Paulo. Na época, no papel de diretor artístico da Fundação Bienal, Zanini organizou a 16ª edição do evento, com trabalhos agrupados por analogia de linguagem, e não mais por pavilhões nacionais, como era prática até então. “A seleção das obras passou a obedecer, portanto, critérios relacionados à concepção e significação dos trabalhos, não mais ao espaço territorial ou temporal da criação”, como está dito no portal do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Daí, em alguns museus, passou-se a discutir a substituição do diretor técnico por um curador-chefe, com o objetivo de deixar todo o setor técnico-científico sob a responsabilidade de uma única figura profissional, contemplando atribuições como, entre outras, de “aconselhamento e sugestões para a seleção de obras a serem adquiridas ou doadas ao acervo do museu” e “aconselhamento e sugestões de exposições e outros projetos culturais a serem apresentados”, além de prestar “auxílio” na captação de exposições, mostras e obras de arte.

O desafio de realizar uma curadoria é expor e fomentar a discussão sobre a produção artística e desenvolver atividades práticas, necessárias à experimentação dos conteúdos conceituais da arte por meio de procedimentos que não têm a intenção de se tornar produtos artísticos, mas propor uma prática poética nas diferentes linguagens artísticas. A leitura da obra de arte pode ser aprendida e requer uma disposição aberta para entender os significados mais sutis, a linguagem das cores, das formas, das linhas, até chegarmos ao seu conteúdo. É aí que entra o papel educativo do curador que, com seu trabalho, busca aproximar o público dos conceitos que permeiam a arte.

O curador também é o responsável pela escolha das exposições, pela pesquisa e seleção de obras e artistas. E, junto com a equipe técnica, discute o planejamento museográfico (a organização espacial da sala e a localização das obras) e a montagem. Para cada exposição, os curadores desenvolvem pesquisas e conversas com os artistas e a equipe do setor ‘educativo’, trabalhando possíveis desdobramentos que contemplem os conceitos abordados. A partir destas pesquisas são criados temas norteadores (recortes temáticos que permeiam o percurso pelo espaço expositivo e relacionam as obras a outras áreas do conhecimento e acontecimentos do mundo), possibilitando uma melhor aproximação e compreensão do público com a exposição.

Da mesma forma que para alguém ler um texto requer que seja alfabetizado e saiba o significado das palavras, a apreciação de uma obra de arte precisa de um outro tipo de alfabetização: a da linguagem visual. Para compreender o significado de uma obra de arte, temos que ir além do aparentemente observado. Estamos compreendendo o seu conteúdo, a sua força, a sua magia, e esta compreensão faz com que possamos entender melhor nosso mundo e a nós mesmos. Às vezes visitamos um museu e nos deparamos com uma obra de arte de difícil entendimento. Muita gente chega a pensar que aquilo foi feito aleatoriamente, enquanto outras pessoas se aproximam e fazem alguns elogios, e aí ficamos num dilema: ou somos analfabetos no mundo das artes, ou aquelas pessoas são tão malucas quanto a obra que estão vendo.

Por outro lado, a necessidade de um curador nos dias de hoje, tão importante como já foi o marchand para os artistas impressionistas da Paris do século XIX, é a medida exata para se fugir de uma amostragem aleatória ou apoteótica, que, muitas vezes, só faz juntar obras de arte para ocupar um determinado espaço. Não confundir com a “Grande Tela”, o imenso corredor com pinturas de vários artistas – e de nacionalidades diferentes – na 18ª Bienal de São Paulo, proposta da curadora Sheila Lerner. Na verdade, havia uma intenção, um propósito: a coerência desta atitude com os percursos da pintura naquele momento em que se discutia a sua ‘morte’.

Noutro aspecto e com o objetivo de valorizar e qualificar ainda mais a produção artesanal, o Governo da Paraíba instituiu a Curadoria do Artesanato, ligada à Secretaria de Educação e Cultura, que passou a realizar o cadastramento de artesãos e sua produção, como também a realização das ‘provas de feitura’, classificando o artesanato por matéria-prima, técnicas principais e habilidades manuais para identificação da especialidade do artesão, e, por fim, emitir a Carteira de Habilitação do Artesão. Aqui, o papel da curadoria é tentar organizar a produção artística e ao mesmo tempo orientar destes produtores - os artesãos - na participação de eventos e sua inserção no mercado de forma responsável.

sábado, março 12, 2011

arte conceitual na paraíba*

*texto publicado na revista NAC 30 Anos, João Pessoa, dezembro de 2008

Arte conceitual é um termo que se localiza num tempo e num lugar. No Brasil, teve algumas discordâncias teóricas quando Hélio Oiticica, nos anos 1960, disse que detestava a arte conceitual (como estava citada no manifesto de Joseph Kosuth). E Gregoire Muller, em 1969, dizia: “O artista não tem mais razão de se sentir limitado por uma matéria, forma, dimensão ou lugar. A noção de obra pode ser substituída por algo cuja única utilidade é significar.”

Na Paraíba (e também noutros lugares), desde os anos 1950, já havia artistas fazendo "arte conceitual" ou, pelo menos, ações que tratavam da ruptura com o suporte. E algumas destas ações bem poderiam ser consideradas conceitualistas. O Clube do Silêncio, do saudoso Vanildo Brito, é um bom exemplo. Estamos falando dos anos 1956/57 que antecedeu as ações do grupo Geração 59. Vanildo diz num texto que o Clube do Silêncio era o catalizador das nossas emoções estéticas defendendo um total rompimento com o passado literário, “uma espécie de grêmio quixotesco a desferir madeiradas contra os moinhos de vento da inércia artística da Paraíba de então.” Na época aconteceu uma exposição do Clube com pinturas, desenhos, poemas e objetos realistas que provocou espanto em alguns e indiferença em muitos. Noutra ação houve uma homenagem a Garcia Lorca, quando de sua morte. Artistas, escritores, poetas e cineastas se deram os braços, no Ponto de Cem Réis, com seus paletós às avessas e de costas, e ficaram em silêncio como numa performance ou happening. Em 1956, o Clube realizou outra exposição com objetos absurdos (uma cesta de ovos e um martelo, por exemplo), na Loja Maçônica da Rua General Osório. Houve também uma passeata de tochas.

Estas foram ações importantes para a formação desta geração capitaneada por Vanildo. O engraçado é que o Geração 59 nasceu em 1958 e teve esse nome por acaso: o livro com uma antologia dos poetas do grupo atrasou na gráfica e só saiu no ano seguinte, ganhando assim o nome de Geração 59.

Depois surgiu o grupo Sanhauá, do qual fez parte o poeta Sérgio Castro Pinto que foi quem sugeriu a vinda de Paulo Sérgio Duarte, seu primo, para criar o NAC, onde ele mesmo colaborou. Sobre o grupo Sanhauá, Vanildo diz: “Este também dispersou-se muito antes da obra de arte se haver corrompido em imitação canhestra de objetos folclóricos para ser posta à venda como mercadoria de segunda classe.”

Nos anos 1960, em Campina Grande, surge o grupo Equipe 3, dos artistas Chico Pereira, Eládio Barbosa e Anacleto Elói, que produz ações importantes na cidade. Numa delas, Triálogo, consistia de cada um dos artistas produzir um painel e, em seguida, passar a tarefa para o outro. Estes três painéis ficaram circulando entre os três artistas, cada um interferindo na obra do outro. Noutra ação do Equipe 3, os artistas entraram numa galeria engravatados e com o rosto coberto por máscaras de carnaval feitas de papel marché, e isto no período em que o happening era considerado uma ação de protesto e de gozação contra toda e qualquer instituição vigente. Naquele momento estava definida a nova mensagem artística da não conformação. O grupo Equipe 3 também participou de eventos importantes como a Bienal de Salvador e a Bienal de São Paulo, e foi a primeira vez que um paraibano (Eládio Barbosa) esteve presente na Bienal Internacional de São Paulo.

Em João Pessoa aconteceu outra ação – uma performance? – na sorveteria Sorvelanche, na Rua Miguel Couto. Uns artistas estavam pintando um painel coletivo e no meio dos espectadores havia um grupo de americanos, do intercâmbio Companheiros da América. O ator Fernando Teixeira jogou uma lata de tinta preta num dos gringos e, felizmente, o cara levou numa boa. Ali surgia outro assunto do momento: o poder dos EUA sobre a nossa cultura. 1968 era o ano do tigre porque na época fazia sucesso na TV o comercial da Esso, que tinha a figura de um tigre. Marcus Vinicius, músico, montou um poema com textos acadêmicos sobre uma tampa de vaso sanitário e Raul Córdula, na ocasião, fez uma performance tipo “incendiário rebelde” acendendo fósforos.

Na mesma época, uma exposição de Raul Córdula, organizada pela Universidade Federal da Paraíba, foi censurada pelos militares que alegaram que a mesma “agredia os bons costumes”. Na verdade, criticava o sistema de alguma forma. João Agripino, o governador da Paraíba, num ato de coragem e rebeldia contra o regime, avisou que Raul podia montar esta exposição em qualquer prédio do governo. A mesma exposição foi levada para o Recife e no vernissage estiveram presentes Gilberto Gil e Caetano Veloso que, juntamente com outros nordestinos como Jomard Muniz de Britto, Raul Córdula, Chico Pereira, Celso Marconi e Carlos Aranha, escreveram o manifesto Inventário do Feudalismo Cultural Nordestino, uma peça de referência do Tropicalismo.

Finalmente, no inicio dos anos 80, surge o Núcleo de Arte Contemporânea-NAC da UFPB, que, hoje, ainda está em processo de descoberta. O NAC foi um fato muito importante por manter uma comunicação com o que acontecia no Brasil fora do circuito comercial; era também avalizado pela Funarte e pela Associação Brasileira de Críticos de Arte. As ações de arte conceitual promovidas pelo NAC, com a presença de artistas como Anna Maria Maiolino, Alípio Barrio, Cildo Meireles, Marcelo Nietsche, Paulo Klein, Chico Pereira e outros, provocaram uma revolução aqui na província. Aliás, nem no Rio de Janeiro essas ações seriam bem aceitas. Hélio Oiticica, um dos nossos mais festejados artistas conceituais, escreveu numa carta para Lygia Clark: “Creio que se fizer hoje as experiências que me venho conduzindo em público seria linchado.”