quinta-feira, janeiro 30, 2014

a arte surge assim, na rede (arte contemporânea)

Na Paraíba, como em todo o Brasil, o mercado de arte sempre aposta naqueles artistas visuais que já estão consolidados, seja pela crítica e/ou instituições oficiais, ou ainda, quando são selecionados por meio de competições (os salões de arte) e de curadorias que vez ou outra tentam mapear este imenso território brasileiro. Daí, a partir deste status quo, os artistas logo ganham espaços nas galerias privadas e entram no mercado de arte dominado pelas escolhas de poucos colecionadores, de arquitetos decoradores e/ou exibidos em feiras de arte, notadamente em centros mais desenvolvidos como Rio e São Paulo.

Na Europa, Ásia e Estados Unidos há uma inversão de fluxo. Primeiramente, as galerias comerciais é que lançam os novos artistas que, em sua maioria surgem mesmo é nos bancos universitários, algo raro no Brasil em função da pequena quantidade de cursos de artes. O mercado, neste caso bem mais maduro que o nosso, passa a determinar quem é quem e, na maioria das vezes com a anuência de um professor-artista ou colecionador, público ou privado, individual ou coletivo (museu, fundação etc.). Logo depois é muito comum que este novo talento apresente sua produção em grandes museus e seja selecionado para as bienais e feiras de arte, que hoje proliferam até no nosso país.

Foi pensando neste paradoxo que a galeria Rede Arte Contemporânea (localizada no bairro de Manaíra, em João Pessoa) resolveu apresentar uma mostra coletiva – de 1º de fevereiro a 1º de março de 2014 – unindo as obras de novos talentos das artes visuais da Paraíba. Em que pese alguma diferença de técnicas, linguagens e idades, estes artistas tem como ponto de referência o fato de serem “novos”. No sentido, claro, de serem pouco reconhecidos em nossa sociedade, por toda a cadeia produtiva – imprensa cultural, críticos, professores, galeristas, colecionadores etc. – e até pela comunidade artística. Destes artistas, alguns, casos de Alberto Moreira (nascido em Sousa, Paraíba, e atuante entre Recife, São Paulo e João Pessoa) e do paulistano Francisco Milhorança (radicado na cidade desde 2008), já possuem larga vivência no mundo da arte, da pintura às artes gráficas. Estudaram e trabalharam em centros de mais tradição na arte contemporânea, como São Paulo e Europa, o que lhes assegura certa “maturidade”, mesmo assim são “novos” para muita gente que ainda não conhece a sua produção.

Por outro lado, as artistas Cristina Carvalho e Danielle Travassos surgiram nos bancos da universidade, no curso de artes visuais da UFPB. Com trajetórias já reconhecidas em importantes eventos dedicados aos novos talentos – o Samap, de João Pessoa, onde Danielle abocanhou o prêmio de artista revelação em sua penúltima edição, e o Salão de Abril, em Fortaleza, selecionada que foi nesta concorridíssima competição nacional –, ainda assim não conseguiram o seu “lugar ao sol” no acanhado mercado local. Cristina Carvalho tem seguido o mesmo caminho de Danielle. Com atuação em eventos regionais e selecionada em projetos do Programa Banco do Nordeste de Cultura, participou de residências artísticas em Recife, Fortaleza e Sousa, no Sertão paraibano. Mas, ainda devemos tratá-las como novos artistas? Claro, chegou a hora de apresentar a rica produção (e suas pesquisas) destas artistas para o grande público, notadamente aqueles que gostariam de investir em um artista jovem, em início de carreira, e que possa oferecer sua arte a valores mais módicos que os “medalhões” da arte paraibana.

Já Thiago Trapo, que completa a mostra coletiva, é o mais novo (e jovem) dos cinco. Descoberto em mostras individuais nos programas para novos talentos da Energisa e da Aliança Francesa João Pessoa, tem atraído atenção de apreciadores das artes visuais pelo despojamento estético (e atualíssimo) de suas colagens-pinturas, o que lhe confere o título de revelação dentre outros artistas de sua geração, emergente há poucos anos nessa febre de arte pública, de coletivos de artistas e de colaboracionismos que, ainda bem, pipocam no país em meio às recentes (e polêmicas) manifestações (e rolezinhos) em praças e ruas, cidades e campos.

Assim, com muito prazer, a Rede Arte Contemporânea investe na obra destes “novos” artistas. As suas pinturas, desenhos e colagens-pinturas passam agora a desfrutar de um “lugar ao sol” no mercado de arte local. E em uma “rede”, na sombra, melhor dizendo.

segunda-feira, janeiro 06, 2014

haja fôlego!, de chico ferreira

Há artistas que trabalham apenas nos dias de semana, em horário comercial e obedecem às leis trabalhistas. Estes são os operários da arte. Já há artistas que trabalham em qualquer dia, qualquer horário (trabalham a vida toda, melhor dizendo) e seguem apenas sua vontade. Estes são os artistas de verdade. Os imprescindíveis. Para estes, arte e vida e trabalho tem a mesma importância.

Chico Ferreira, que conheço há quase trinta anos, está entre estes artistas raros, que trabalham enquanto vivem. Ou melhor: vivem enquanto trabalham. O dia todo, todo o dia, Chico é uma máquina de ideias (e ideais) de fazer inveja a qualquer um.

Há artistas que tem fases: ora azul, ora preto, ora branco... Já há artistas, caso de Chico, que emendam (ou integram) uma fase na outra como se tudo fosse uma só fase, uma só obra.

Na verdade, Chico Ferreira, que não para de se bulir, constrói uma obra que nunca se basta em/para si. Uma novidade a cada dia é seu lema. Aliás, na sua bucólica casa-atelier-santuário, tudo não fica no mesmo lugar... Nem que seja para apenas mudar de lugar uma planta, um peixe, uma pintura. E mais: não lembro, nestes tantos anos de convivência, de chegar em seu ateliê para não ouvir dele: “Vem ver o que estou fazendo agora”. Com domínio largo da técnica do fogo em alta temperatura (e da pigmentação em cerâmica), se acerca de ferramentas, tornos e moldes ou de coisas estranhas (tudo que ele mesmo cria, diga-se) para por em prática sua obra “da hora”. Pleno de argumentos, ele detalha seu novo “invento-obra” com o entusiasmo de um iniciante. Aí, estamos tratando daquilo que existe. Chico não usa a expressão “vou fazer”. Ele já fez.

Há poucos dias, por exemplo, ele me falou da série Italume (ele sempre batiza suas crias). Numa recente visita à sua mãe, Dona Creuza, em Catolé do Rocha, deparou-se com a lembrança das rendas de bilros, renascença, crochês, tricôs e paninhos que as mães de antigamente bordavam para os filhos e netos que estavam por chegar. Daí, veio a ideia de homenagear sua mãe ao utilizar essas rendas como matriz das gravuras encravadas na cerâmica em alta temperatura (ita, pedra em tupi-guarani; lumen, fogo ou luz em latim).

O resultado, antes de tudo, soma-se às suas dezenas de outras séries já realizadas como um continuum de toda sua produção, da pintura ao design utilitário, dos murais às esculturas de chão e de parede e intervenções urbanas. Mas, esta série também vem carregada de forte sentimentalismo que remete às suas origens sertanejas, aos seus pais, Benjamim (in memoriam) e Creuza. Tanto que, ao lado da musa, Camila, e da pequena Capitu, quer logo voltar a encontrar as serras outrora habitadas pelos Cariris.

Nesta exposição na Usina Cultural Energisa, Chico Ferreira mostra-se por inteiro e, mesmo que com poucas peças de sua já citada vasta produção, faz com que a sala de exposição pareça uma só obra, uma instalação de cerâmicas e objetos e pinturas que carregam a marca da inventividade deste incansável e inoxidável homem do fogo.

E há outra confidência: esta é sua primeira mostra solo na Usina. Chico havia sido convidado noutra ocasião, há alguns anos, mas, altruísta, sugeriu uma coletiva para homenagear outros artistas. E nos deu a chance de descobrirmos Seu Bento e Dona Lindalva (artistas populares de mão cheia!), e redescobrirmos a obra fotográfica de seu parceiro Roberto Coura...