quarta-feira, junho 01, 2016

barroso-artaud

Há sempre um bom motivo para se rever o passado... Há pouco, diante de uma folha em branco e com a tarefa de escrever sobre a nova exposição do amigo Luiz Barroso, me veio uma enxurrada de boas lembranças, dos tempos e lugares em que nós estivemos juntos comungando delírios, projetos, planos, sonhos... Por exemplo, em 1996, nas comemorações do centenário de Antonin Artaud em Marselha (sua terra natal), nós dois visitamos uma mostra de desenhos (rabiscos, na verdade) deste dramaturgo francês no Museu Cantini, no Centro da cidade. Diga-se que neste período Luiz Barroso coordenava ações educativas na periferia de Marselha, por meio da Association Le Hors-Là.

E hoje, exatos 20 anos depois, esse passado me parece incrivelmente atual. Pelos motivos que passo a relatar. Primeiramente, tratava-se de revisitar esse genial múltiplo artista marselhês que aborda na sua obra uma característica que o acompanhou por toda a vida: não conceber nenhuma arte que estivesse separada da vida. Na verdade, os desenhos/rabiscos (além de cartas e textos) exibidos nesta mostra surgiram enquanto Artaud falava ao telefone ou escrevia cartas a conhecidos e desconhecidos. Ele utilizava o ato de desenhar como extensão/expressão de suas inquietações interiores: medos, desejos, sonhos. O conjunto de sua obra (seus desenhos, inclusive) era pretexto para revelar a tragédia humana que se manifesta na dor de viver, dor esta que Artaud experimentou na carne ao longo de sua existência.

Agora, por mera coincidência, Luiz Barroso nos apresenta uma série de desenhos – Invisível Presença – que, que nem em Artaud, também se iniciaram na mais tenra idade e em circunstâncias adversas e confusas, enquanto usava os “desenhos” como válvula de escape para o “bloqueio” em se relacionar com o “mundo”. Gestos infantis? Devaneios psicodélicos? 

Ora, tanto em Artaud como em Barroso aquilo ainda não era arte, mas expressão de vida. Em ambos os casos, este material raramente é exibido, muito menos, como “obra final”. Hoje, quando vivemos a era da exacerbação na exploração da imagem, parece até que este tipo de desenho deixou de ser brincadeira de criança ou motivo para análise psicológica de um sujeito. Virou assunto sério. Multiplicam-se as chances de trabalho nesta área em função do surgimento de computadores e da sua aplicação na publicidade, comunicação, decoração, design, arquitetura etc. 

E mais, enquanto observo os recentes desenhos (caneta esferográfica sobre cartão) de Barroso, me vem algo que vai além da arte para seu “mergulho interior”, em que há sim a importância do inconsciente na atividade criativa. De verdade, estão ali suas “viagens”, sonhos, desejos, medos, mas também a capacidade de organização gráfica digna de um belo designer de estampas (ou de azulejos). Seu traço visceral, quase “oriental”, em que explora, além da conta, uma infinidade de possibilidades gráficas e estéticas, foi conquistado no trabalho árduo de quem sabe o que quer. Que tem personalidade. 

Diferentemente de Artaud, há uma tentativa de organicidade espacial na apresentação dos desenhos de Barroso. Por mais que seja uma “invisível presença”, os desenhos, apresentados como jogos de acúmulos, de repetições, de sobreposições, nos fazem mesmo refletir sobre “novos caminhos para a comunicação do mundo interior com o exterior”, como o artista mesmo sugere.