segunda-feira, março 26, 2012

a serigrafia artística na paraíba

Na Paraíba, como em outros lugares, a técnica da serigrafia (ou silkscreen) surgiu, inicialmente na produção de flâmulas e decalques plásticos destinados à promoção de eventos, e na impressão de rótulos e caixas de papelão para embalagens de produtos (sabão, vela, cigarro, fósforo, sabonete etc.), antes, só possível por meio da impressão em tipografia e litografia.

Já a utilização pioneira da serigrafia nas artes visuais paraibanas, a partir dos anos 1970, é creditada ao serígrafo, Alcides Ferreira, e ao artista plástico, Arthur Cantalice, e este, à época, aprendeu rudimentos da técnica em viagens aos Estados Unidos. O processo então empregado era o de filme de recorte: uma película aplicada sobre uma folha de plástico, com detalhes do desenho cuidadosamente recortados, a partir do que se obtinha uma imagem vazada, ou seja, um “molde vazado” (ou estêncil). Hoje em dia, o processo denominado photoscreen – que utiliza recursos da fotografia – é o mais difundido, comercial e industrialmente.

A partir do curso ministrado pelos serígrafos, Laércio Pereira (SP) e Alcides Ferreira (PB), no Núcleo de Arte Contemporânea (João Pessoa, 1979), quando da exposição do artista, Cláudio Tozzi, e no V Festival de Arte (Areia, 1979), os artistas locais passaram a fazer uso da técnica de photoscreen, com objetivos de multiplicar e dar visibilidade à sua produção gráfica. As gravuras eram editadas no ateliê de Alcides Ferreira – considerado um dos melhores do Nordeste –, de quem o artista e serígrafo, Dyógenes Chaves, foi seu principal assistente entre 1982-86. Das obras então produzidas, destaque para os álbuns de serigrafia de artistas como Guy Joseph, Raul Córdula, Flávio Tavares, Fred Svendsen e Chico Dantas, dentre outros.

Muito antes disso, nos anos 60, o artista norte-americano, Andy Warhol, já se utilizava da serigrafia – técnica de impressão gráfica, até então apenas utilizada na produção industrial, têxtil e publicitária –, como meio principal para a realização de suas obras, no auge do movimento Pop Art.

Inventada pelos japoneses há dois mil anos, a serigrafia deriva da técnica do estêncil, muito empregada na estampagem artesanal de tecidos. Esta técnica − ainda hoje usada na marcação de embalagens − consiste em recortar, de uma folha de papel, a imagem ali existente, que resulta vazada. Em seguida, passou-se a usar um tecido de trama e fios finos e regulares, tensionado em uma moldura de madeira. Neste caso, obtém-se a impressão com a utilização de um rodo de borracha, para “puxar” a tinta ao longo da superfície da matriz (moldura, tecido e estêncil), colocada sobre o suporte (papel) em que se quer imprimir a imagem.

Em resumo: a diferença entre as diversas técnicas de gravura e a serigrafia está na forma de impressão, ou seja, na serigrafia a imagem é obtida pela ação do rodo, que viabiliza a passagem da tinta através do tecido da matriz, nas demais técnicas a imagem é obtida por intermédio direto da matriz, que é entintada para posterior transferência ao papel (tal qual um carimbo).

Hoje em dia, a serigrafia é amplamente utilizada por artistas plásticos na “multiplicação” de suas obras – quase sempre destinadas à decoração de interior em hotéis, hospitais etc., que demandam várias cópias da mesma matriz –, sem perder sua originalidade (a gravura, apesar de reproduzida em série, mantém-se original, já que é assinada e numerada, uma a uma, pelo autor) e a um custo mais acessível ao mercado de arte. O único senão é o fato da gravura em serigrafia ser totalmente manipulada por um técnico impressor e não pelo próprio artista – como se dá nas outras técnicas –, o que resulta em menor envolvimento do artista-autor com sua criação.

Entre 2010 e 2011, a Usina Cultural Energisa (João Pessoa) e o Centro Cultural Banco do Nordeste (Sousa-PB) apresentaram a mostra Serigrafia: 30 anos de produção de gravura na Paraíba, que propunha um pequeno recorte histórico da produção gráfica paraibana, apresentando a rica variedade de tendências dos nossos artistas além de pertinente discussão sobre o fazer artesanal e industrial (serigrafia) na arte contemporânea, com a exibição de obras produzidas pelos serígrafos, Dyógenes Chaves e Alcides Ferreira e de autoria dos principais artistas paraibanos.

sexta-feira, março 02, 2012

para roncalli dantas (em exposição na aliança francesa joão pessoa)

1. O mundo dá voltas. A cada volta tantos encontros (e desencontros). Até as pedras se encontram. A isso dá-se o nome de “entre”.

2. E é aí – na ida, na volta, no “entre” – que o artista, Roncalli Dantas, recolhe as mais recônditas imagens-palavras para produzir sua obra-vida. E, a cada volta que o mundo dá ele divide aquilo que recolhe com quem encontra: parceiros, amigos e anônimos. A isso dá-se o nome de “generosidade”.

Pudera. Colaborar, dividir, somar, apropriar, tomar emprestado, dar, doar, receber não são para qualquer um. Mas para Roncalli, são sim.

3. Sua obra, multifacetada e híbrida, verbo ou figura, velha ou nova, é o melhor exemplo de sua geração. A isso dá-se o nome de “o nosso mais completo artista contemporâneo”.

Pudera. Fotografia, desenho, livro de artista, poema, vídeo, objeto, não são para qualquer um. Mas para Roncalli, são sim.

4. Se pudéssemos nomeá-lo (como artista ou não), ele seria a pedra que gostaríamos de encontrar no meio do caminho. A cada volta que o mundo dá.

conversa com roncalli dantas

1. Como se deu sua ‘descoberta’ pela arte? Foi fascinação ou desígnio?

Nos últimos anos da década de 90 comecei a acompanhar o pessoal da Agência Ensaio [de fotografia], participando de exposições em varais nas ruas, de workshops nas feiras de arte e no SESC, que ocorriam anualmente em João Pessoa. Em 2002, ao entrar no curso de Letras fiquei fascinado pelos poemas concretos e pelas aulas do professor, Amador Ribeiro Neto, que foi como um choque, um tapa na cara. A materialidade visual do texto, os sentidos do espaço da página e a ênfase na verbovocovisualidade nos impulsionava a estudar, além de literatura, teoria de cinema e artes visuais. Então, comecei a estudar História da Arte numa abordagem semiótica para ter melhor compreensão dos poemas concretos. Já no fim do curso, conheci a professora, Beliza Áurea, que me apresentou outras faces, possibilidades híbridas da literatura. Ela me jogou em sala de aula para ensinar cultura brasileira para estrangeiros e fomos para o campo de pesquisa estudar performance, a palavra no “corpo” presente na canção popular, o universo colorido das festas populares e das religiões afro-brasileiras. Eu era fascinado simplesmente pela leitura, sem a menor intenção de criar.

2. De que forma você chegou ao curso de artes da UFPB?

Eu “cheguei” no curso de artes em agosto de 2005 por causa dos artistas, Cristina Carvalho e Adriano Barreto. Eles foram meus primeiros colegas de um “curso de artes” que jamais fiz formalmente. Foi um curso de segunda mão, pois eles assistiam as aulas e depois eu captava resquícios dos debates, das sobras das discussões mais importantes para eles. Eu acabei criando imagens dos professores de arte da UFPB – Silvino Espínola, Chico Pereira, Ricardo Dubinskas, Sicília Calado, Rosilda Sá, Erinaldo Alves – a partir das conversas com os meninos, que se misturavam com Duchamp, Polock, Man Ray, Einsenstein. Depois, começando a expor com Cris e Adriano, a professora Rosilda me chamou para falar sobre um trabalho de livro de artista que eu tinha realizado através de um curso no Casarão 34, que na época tinha Maria Botelho, Dyógenes Chaves e Rodolfo Athayde na coordenação. No final de 2006 fui para São Paulo fotografar as obras da bienal e das galerias com o objetivo de abrir um grupo de discussão no Núcleo de Arte Contemporânea, num projeto de pesquisa encabeçado pela professora, Paula Ziegler, que me apresentou à coordenadora do NAC, a professora Marta Penner. No ano seguinte, posei como modelo vivo para uma turma de desenho de Marta e logo após, acabei colaborando com alguns trabalhos realizados por ela e participando de grupos de estudos e grupos de pesquisa na área de ensino de artes com os professores Sicília Calado e Erinaldo. Portanto, me considero também cria do cenário artístico fomentado pela UFPB a partir da chegada dos professores Marta, Sicília, Marco Aurélio e Dubinskas, em 2006.

3. Como você enxerga hoje o hibridismo da/na arte contemporânea?

Atualmente existe uma valorização de questões sobre desterritorialização, entre-lugar, hibridismo, diálogos culturais, rizomas, fragmentação, fluidez, diluição etc. Todas estas questões filosóficas são importantes, mas quando temos como parâmetro o Brasil, estas questões ganham outra dimensão, pois nós somos “essencialmente” seres híbridos, formados pelo diálogo e violência entre diferentes raças. Se existir, algum dia, algo para unir socialmente o Brasil, isto será a nossa impureza cultural. Então, agir de maneira híbrida, não é uma questão de opção estética, de tendência, de momento histórico, mas é uma questão de referencial, que nós carregamos internamente, que foi gerado em nossa formação cultural. Então o purismo artístico, tais como o sujeito essencialmente “pintor”, o essencialmente “fotógrafo”, o “cineasta”, o “escultor”, por mais importantes que sejam em suas pesquisas criativas, existirá sempre em cada um deles uma persona deslocada, inquieta e com impulsos para perverter o seu oficio, sua arte, o suporte e a própria pesquisa iniciada. O caos, a fluidez, a desorganização, a fragmentação tem pontos positivos e negativos, portanto, não nos faz melhores, mas nos proporciona uma identidade, que é frágil, escorregadiça e muitas vezes, sabotadora de nós mesmos.

4. Como você define sua atuação nas artes visuais?

Em João Pessoa eu tenho a clara impressão de que minha atuação é de convergência. Boa parte do que faço são resultados de colaboração com outros artistas, às vezes, apropriações, outras vezes, edições ou produto de diálogos. De maneira que a intenção criativa já nasce em tensão.

5. Você acha que há espaço/lugar/apoio para os jovens artistas?

João Pessoa possui divisões sociais estanques desde a época em que a população se deslocou do centro para a praia. A população se dividiu de uma maneira que blocos de pessoas não interagem em nosso meio cultural, impedindo interpenetrações, hibridismos sociais que gerou um congelamento da cultura popular (estamos parado no armorialismo de Ariano, via Recife) e também das artes de pesquisa (ficamos na semana de arte de 22). A consequência disso é que a arte contemporânea ficou em um lugar não demarcado socialmente. Não tem visibilidade. O público é o mesmo já há algum tempo e não existe política pública que faça mudar a falta de interesse pela produção local, como museus de arte contemporânea ou galerias que possam dar conta desta produção. Infelizmente, são os próprios artistas locais os “zeladores”, detentores históricos das obras de artes visuais dos anos 1990 e 2000. Pois como se sabe, nos anos 1980 em João Pessoa imperou a pintura. Eu mesmo tento adquirir trabalhos de novos artistas com esta intenção de guardar a memória artística dos anos de 90 a 2000

6. Que artistas ou movimentos te dão mais influências ou te agradam mais?

Como venho das Letras, sou muito influenciado pelos poetas e escritores que trabalham a materialidade visual do texto escrito. Pierre Verger, Caribé, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Décio Pignatari, J. Borges. Também me envolvi com pensadores da cultura brasileira como Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda graças à minha orientadora, Beliza Áurea. Contudo, a obra de cabeceira é o Cerco da memória do poeta Sérgio de Castro Pinto. “Vira e mexe” estou relendo esta coletânea. Nas artes visuais gosto de Cildo Meirelles, dos construtivistas russos, do dadaísmo e da arte conceitual dos anos sessenta e setenta, dos happenings, da Land Art, do Fluxus etc. Estou começando a me interessar pela Pop Art americana, muito embora esteja certo que o Brasil produziu coisas melhores no mesmo período. Na Paraíba, eu gosto de Gonper, Marta Penner, Rufino, Íris Helena, Américo, Manoel Fernandes, Adriano Barreto, Cristina Carvalho, Dani Calaço, Danielle Travassos, Prince, Verdeee, Chico Dantas, Dyógenes, Vagner e Serge Huot.