Antes
de tudo, é pertinente dizer que Hermano José é daqueles raros homens que tem
autoridade para falar de passado, presente e futuro, de sua terra e de sua
gente. De fato, ao longo dos seus noventa e um anos (bem vividos, diga-se) ele
vem cruzando a vida com permanente e extrema lucidez, sabedoria e agudeza de
espírito, portanto, algo digno de poetas, pajés, bruxos, videntes, mártires,
artistas.
Por
isso Hermano nos conhece (e muito!) como poucos. Desde a nossa arquitetura
barroca até os cabos e pontas de mar, da florada dos ipês ao voo dos marrecos.
Igrejas, praças, cachorros e gatos, árvores, lagoas e rios tem sido seus fiéis
parceiros. É testemunha desse e de outros tempos, movimentos e lutas. Por
exemplo, viveu os anos em que nossa Filipeia de Nossa Senhora das Neves ainda
tinha alma, era calma e barroca; antes e depois do Parque Solon de Lucena
urbanizado; do tempo das praias totalmente desertas, de Cabedelo à Barra de
Gramame...
Acompanhado
de seus camaradas do Centro de Artes Plásticas da Paraíba (CAP), especialmente
dos amigos, Olívio Pinto, exímio aquarelista, e do pintor e fotógrafo José
Lyra, inaugurou a nossa pintura de paisagem, urbana e litorânea. Suas marinhas,
também executadas à exaustão por outros sócios do CAP, são hoje autêntico
libelo pela preservação de nossos monumentos naturais (como o Cabo Branco)
frente ao “progresso” desenfreado que intuímos transformarem-se, em breve, numa
barreira de concreto ou no quintal de resorts e balneários privados. Hermano,
incansável, vem mandando seu recado há tempos. Não apenas com sua obra
pictórica, mas também com sua poesia e seu ativismo político-ecológico. Só não
vê quem tem interesses contrários...
Aliás,
Hermano tornou-se inda mais desconfiado com o “progresso” quando retornou à
Paraíba, definitivamente, atendendo convite oficial para instalar um museu de
arte e após longa temporada no Rio de Janeiro, onde foi viver sua outra grande
experiência do olhar: a paisagem carioca com suas curvas fabulosas. Foi nos ateliês
do Museu de Arte Moderna e do Liceu de Artes e Ofícios que ele cunhou uma série
de gravuras, abstratas e monocromáticas, que bem traduzem as linhas das falésias
paraibanas e dos morros cariocas. Basta dizer que com estas gravuras Hermano
abocanhou prêmios e participou de importantes mostras nacionais e
internacionais, época em que tomou aulas com Ivan Serpa e Johnny Friedlaender e
estava ao lado de Edith Behring, Fayga Ostrower, Maria Bonomi e Ana Letycia
Quadros, alguns dos nomes mais destacados da gravura brasileira de todos os tempos.
Muito
que bem, aqui na província logo se ocupou com outras imensas atividades:
professor de gravura na UFPB, guru de uma geração de jovens pintores,
conselheiro do IPHAEP, criador da Pinacoteca da UFPB, gestor de órgãos
culturais e, sua maior missão, ferrenho militante da causa ecológica,
principalmente da luta contra a construção de espigões na orla paraibana.
Para
mim não basta apenas tê-lo como exímio pintor, professor ou gravador consagrado
(isso, todos já sabem). Há outras várias facetas em Hermano José a considerar:
poeta, pajé, bruxo, vidente, mártir e artista completo.