Há
artistas que trabalham apenas nos dias de semana, em horário comercial e
obedecem às leis trabalhistas. Estes são os operários da arte. Já há artistas
que trabalham em qualquer dia, qualquer horário (trabalham a vida toda, melhor
dizendo) e seguem apenas sua vontade. Estes são os artistas de verdade. Os
imprescindíveis. Para estes, arte e vida e trabalho tem a mesma importância.
Chico
Ferreira, que conheço há quase trinta anos, está entre estes artistas raros,
que trabalham enquanto vivem. Ou melhor: vivem enquanto trabalham. O dia todo,
todo o dia, Chico é uma máquina de ideias (e ideais) de fazer inveja a qualquer
um.
Há
artistas que tem fases: ora azul, ora preto, ora branco... Já há artistas, caso
de Chico, que emendam (ou integram) uma fase na outra como se tudo fosse uma só
fase, uma só obra.
Na
verdade, Chico Ferreira, que não para de se bulir, constrói uma obra que nunca
se basta em/para si. Uma novidade a cada dia é seu lema. Aliás, na sua bucólica
casa-atelier-santuário, tudo não fica no mesmo lugar... Nem que seja para
apenas mudar de lugar uma planta, um peixe, uma pintura. E mais: não lembro,
nestes tantos anos de convivência, de chegar em seu ateliê para não ouvir dele:
“Vem ver o que estou fazendo agora”. Com domínio largo da técnica do fogo em
alta temperatura (e da pigmentação em cerâmica), se acerca de ferramentas,
tornos e moldes ou de coisas estranhas (tudo que ele mesmo cria, diga-se) para
por em prática sua obra “da hora”. Pleno de argumentos, ele detalha seu novo
“invento-obra” com o entusiasmo de um iniciante. Aí, estamos tratando daquilo
que existe. Chico não usa a expressão “vou fazer”. Ele já fez.
Há
poucos dias, por exemplo, ele me falou da série Italume (ele sempre batiza suas
crias). Numa recente visita à sua mãe, Dona Creuza, em Catolé do Rocha,
deparou-se com a lembrança das rendas de bilros, renascença, crochês, tricôs e
paninhos que as mães de antigamente bordavam para os filhos e netos que estavam
por chegar. Daí, veio a ideia de homenagear sua mãe ao utilizar essas rendas
como matriz das gravuras encravadas na cerâmica em alta temperatura (ita, pedra
em tupi-guarani; lumen, fogo ou luz em latim).
O
resultado, antes de tudo, soma-se às suas dezenas de outras séries já
realizadas como um continuum de toda sua produção, da pintura ao design utilitário, dos murais às esculturas de chão e de parede e intervenções
urbanas. Mas, esta série também vem carregada de forte sentimentalismo que remete
às suas origens sertanejas, aos seus pais, Benjamim (in memoriam) e Creuza.
Tanto que, ao lado da musa, Camila, e da pequena Capitu, quer logo voltar a
encontrar as serras outrora habitadas pelos Cariris.
Nesta
exposição na Usina Cultural Energisa, Chico Ferreira mostra-se por inteiro e,
mesmo que com poucas peças de sua já citada vasta produção, faz com que a sala
de exposição pareça uma só obra, uma instalação de cerâmicas e objetos e
pinturas que carregam a marca da inventividade deste incansável e inoxidável
homem do fogo.
E
há outra confidência: esta é sua primeira mostra solo na Usina. Chico havia
sido convidado noutra ocasião, há alguns anos, mas, altruísta, sugeriu uma
coletiva para homenagear outros artistas. E nos deu a chance de descobrirmos
Seu Bento e Dona Lindalva (artistas populares de mão cheia!), e redescobrirmos
a obra fotográfica de seu parceiro Roberto Coura...
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