sexta-feira, março 02, 2012

conversa com roncalli dantas

1. Como se deu sua ‘descoberta’ pela arte? Foi fascinação ou desígnio?

Nos últimos anos da década de 90 comecei a acompanhar o pessoal da Agência Ensaio [de fotografia], participando de exposições em varais nas ruas, de workshops nas feiras de arte e no SESC, que ocorriam anualmente em João Pessoa. Em 2002, ao entrar no curso de Letras fiquei fascinado pelos poemas concretos e pelas aulas do professor, Amador Ribeiro Neto, que foi como um choque, um tapa na cara. A materialidade visual do texto, os sentidos do espaço da página e a ênfase na verbovocovisualidade nos impulsionava a estudar, além de literatura, teoria de cinema e artes visuais. Então, comecei a estudar História da Arte numa abordagem semiótica para ter melhor compreensão dos poemas concretos. Já no fim do curso, conheci a professora, Beliza Áurea, que me apresentou outras faces, possibilidades híbridas da literatura. Ela me jogou em sala de aula para ensinar cultura brasileira para estrangeiros e fomos para o campo de pesquisa estudar performance, a palavra no “corpo” presente na canção popular, o universo colorido das festas populares e das religiões afro-brasileiras. Eu era fascinado simplesmente pela leitura, sem a menor intenção de criar.

2. De que forma você chegou ao curso de artes da UFPB?

Eu “cheguei” no curso de artes em agosto de 2005 por causa dos artistas, Cristina Carvalho e Adriano Barreto. Eles foram meus primeiros colegas de um “curso de artes” que jamais fiz formalmente. Foi um curso de segunda mão, pois eles assistiam as aulas e depois eu captava resquícios dos debates, das sobras das discussões mais importantes para eles. Eu acabei criando imagens dos professores de arte da UFPB – Silvino Espínola, Chico Pereira, Ricardo Dubinskas, Sicília Calado, Rosilda Sá, Erinaldo Alves – a partir das conversas com os meninos, que se misturavam com Duchamp, Polock, Man Ray, Einsenstein. Depois, começando a expor com Cris e Adriano, a professora Rosilda me chamou para falar sobre um trabalho de livro de artista que eu tinha realizado através de um curso no Casarão 34, que na época tinha Maria Botelho, Dyógenes Chaves e Rodolfo Athayde na coordenação. No final de 2006 fui para São Paulo fotografar as obras da bienal e das galerias com o objetivo de abrir um grupo de discussão no Núcleo de Arte Contemporânea, num projeto de pesquisa encabeçado pela professora, Paula Ziegler, que me apresentou à coordenadora do NAC, a professora Marta Penner. No ano seguinte, posei como modelo vivo para uma turma de desenho de Marta e logo após, acabei colaborando com alguns trabalhos realizados por ela e participando de grupos de estudos e grupos de pesquisa na área de ensino de artes com os professores Sicília Calado e Erinaldo. Portanto, me considero também cria do cenário artístico fomentado pela UFPB a partir da chegada dos professores Marta, Sicília, Marco Aurélio e Dubinskas, em 2006.

3. Como você enxerga hoje o hibridismo da/na arte contemporânea?

Atualmente existe uma valorização de questões sobre desterritorialização, entre-lugar, hibridismo, diálogos culturais, rizomas, fragmentação, fluidez, diluição etc. Todas estas questões filosóficas são importantes, mas quando temos como parâmetro o Brasil, estas questões ganham outra dimensão, pois nós somos “essencialmente” seres híbridos, formados pelo diálogo e violência entre diferentes raças. Se existir, algum dia, algo para unir socialmente o Brasil, isto será a nossa impureza cultural. Então, agir de maneira híbrida, não é uma questão de opção estética, de tendência, de momento histórico, mas é uma questão de referencial, que nós carregamos internamente, que foi gerado em nossa formação cultural. Então o purismo artístico, tais como o sujeito essencialmente “pintor”, o essencialmente “fotógrafo”, o “cineasta”, o “escultor”, por mais importantes que sejam em suas pesquisas criativas, existirá sempre em cada um deles uma persona deslocada, inquieta e com impulsos para perverter o seu oficio, sua arte, o suporte e a própria pesquisa iniciada. O caos, a fluidez, a desorganização, a fragmentação tem pontos positivos e negativos, portanto, não nos faz melhores, mas nos proporciona uma identidade, que é frágil, escorregadiça e muitas vezes, sabotadora de nós mesmos.

4. Como você define sua atuação nas artes visuais?

Em João Pessoa eu tenho a clara impressão de que minha atuação é de convergência. Boa parte do que faço são resultados de colaboração com outros artistas, às vezes, apropriações, outras vezes, edições ou produto de diálogos. De maneira que a intenção criativa já nasce em tensão.

5. Você acha que há espaço/lugar/apoio para os jovens artistas?

João Pessoa possui divisões sociais estanques desde a época em que a população se deslocou do centro para a praia. A população se dividiu de uma maneira que blocos de pessoas não interagem em nosso meio cultural, impedindo interpenetrações, hibridismos sociais que gerou um congelamento da cultura popular (estamos parado no armorialismo de Ariano, via Recife) e também das artes de pesquisa (ficamos na semana de arte de 22). A consequência disso é que a arte contemporânea ficou em um lugar não demarcado socialmente. Não tem visibilidade. O público é o mesmo já há algum tempo e não existe política pública que faça mudar a falta de interesse pela produção local, como museus de arte contemporânea ou galerias que possam dar conta desta produção. Infelizmente, são os próprios artistas locais os “zeladores”, detentores históricos das obras de artes visuais dos anos 1990 e 2000. Pois como se sabe, nos anos 1980 em João Pessoa imperou a pintura. Eu mesmo tento adquirir trabalhos de novos artistas com esta intenção de guardar a memória artística dos anos de 90 a 2000

6. Que artistas ou movimentos te dão mais influências ou te agradam mais?

Como venho das Letras, sou muito influenciado pelos poetas e escritores que trabalham a materialidade visual do texto escrito. Pierre Verger, Caribé, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Décio Pignatari, J. Borges. Também me envolvi com pensadores da cultura brasileira como Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda graças à minha orientadora, Beliza Áurea. Contudo, a obra de cabeceira é o Cerco da memória do poeta Sérgio de Castro Pinto. “Vira e mexe” estou relendo esta coletânea. Nas artes visuais gosto de Cildo Meirelles, dos construtivistas russos, do dadaísmo e da arte conceitual dos anos sessenta e setenta, dos happenings, da Land Art, do Fluxus etc. Estou começando a me interessar pela Pop Art americana, muito embora esteja certo que o Brasil produziu coisas melhores no mesmo período. Na Paraíba, eu gosto de Gonper, Marta Penner, Rufino, Íris Helena, Américo, Manoel Fernandes, Adriano Barreto, Cristina Carvalho, Dani Calaço, Danielle Travassos, Prince, Verdeee, Chico Dantas, Dyógenes, Vagner e Serge Huot.

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