sábado, março 12, 2011

arte conceitual na paraíba*

*texto publicado na revista NAC 30 Anos, João Pessoa, dezembro de 2008

Arte conceitual é um termo que se localiza num tempo e num lugar. No Brasil, teve algumas discordâncias teóricas quando Hélio Oiticica, nos anos 1960, disse que detestava a arte conceitual (como estava citada no manifesto de Joseph Kosuth). E Gregoire Muller, em 1969, dizia: “O artista não tem mais razão de se sentir limitado por uma matéria, forma, dimensão ou lugar. A noção de obra pode ser substituída por algo cuja única utilidade é significar.”

Na Paraíba (e também noutros lugares), desde os anos 1950, já havia artistas fazendo "arte conceitual" ou, pelo menos, ações que tratavam da ruptura com o suporte. E algumas destas ações bem poderiam ser consideradas conceitualistas. O Clube do Silêncio, do saudoso Vanildo Brito, é um bom exemplo. Estamos falando dos anos 1956/57 que antecedeu as ações do grupo Geração 59. Vanildo diz num texto que o Clube do Silêncio era o catalizador das nossas emoções estéticas defendendo um total rompimento com o passado literário, “uma espécie de grêmio quixotesco a desferir madeiradas contra os moinhos de vento da inércia artística da Paraíba de então.” Na época aconteceu uma exposição do Clube com pinturas, desenhos, poemas e objetos realistas que provocou espanto em alguns e indiferença em muitos. Noutra ação houve uma homenagem a Garcia Lorca, quando de sua morte. Artistas, escritores, poetas e cineastas se deram os braços, no Ponto de Cem Réis, com seus paletós às avessas e de costas, e ficaram em silêncio como numa performance ou happening. Em 1956, o Clube realizou outra exposição com objetos absurdos (uma cesta de ovos e um martelo, por exemplo), na Loja Maçônica da Rua General Osório. Houve também uma passeata de tochas.

Estas foram ações importantes para a formação desta geração capitaneada por Vanildo. O engraçado é que o Geração 59 nasceu em 1958 e teve esse nome por acaso: o livro com uma antologia dos poetas do grupo atrasou na gráfica e só saiu no ano seguinte, ganhando assim o nome de Geração 59.

Depois surgiu o grupo Sanhauá, do qual fez parte o poeta Sérgio Castro Pinto que foi quem sugeriu a vinda de Paulo Sérgio Duarte, seu primo, para criar o NAC, onde ele mesmo colaborou. Sobre o grupo Sanhauá, Vanildo diz: “Este também dispersou-se muito antes da obra de arte se haver corrompido em imitação canhestra de objetos folclóricos para ser posta à venda como mercadoria de segunda classe.”

Nos anos 1960, em Campina Grande, surge o grupo Equipe 3, dos artistas Chico Pereira, Eládio Barbosa e Anacleto Elói, que produz ações importantes na cidade. Numa delas, Triálogo, consistia de cada um dos artistas produzir um painel e, em seguida, passar a tarefa para o outro. Estes três painéis ficaram circulando entre os três artistas, cada um interferindo na obra do outro. Noutra ação do Equipe 3, os artistas entraram numa galeria engravatados e com o rosto coberto por máscaras de carnaval feitas de papel marché, e isto no período em que o happening era considerado uma ação de protesto e de gozação contra toda e qualquer instituição vigente. Naquele momento estava definida a nova mensagem artística da não conformação. O grupo Equipe 3 também participou de eventos importantes como a Bienal de Salvador e a Bienal de São Paulo, e foi a primeira vez que um paraibano (Eládio Barbosa) esteve presente na Bienal Internacional de São Paulo.

Em João Pessoa aconteceu outra ação – uma performance? – na sorveteria Sorvelanche, na Rua Miguel Couto. Uns artistas estavam pintando um painel coletivo e no meio dos espectadores havia um grupo de americanos, do intercâmbio Companheiros da América. O ator Fernando Teixeira jogou uma lata de tinta preta num dos gringos e, felizmente, o cara levou numa boa. Ali surgia outro assunto do momento: o poder dos EUA sobre a nossa cultura. 1968 era o ano do tigre porque na época fazia sucesso na TV o comercial da Esso, que tinha a figura de um tigre. Marcus Vinicius, músico, montou um poema com textos acadêmicos sobre uma tampa de vaso sanitário e Raul Córdula, na ocasião, fez uma performance tipo “incendiário rebelde” acendendo fósforos.

Na mesma época, uma exposição de Raul Córdula, organizada pela Universidade Federal da Paraíba, foi censurada pelos militares que alegaram que a mesma “agredia os bons costumes”. Na verdade, criticava o sistema de alguma forma. João Agripino, o governador da Paraíba, num ato de coragem e rebeldia contra o regime, avisou que Raul podia montar esta exposição em qualquer prédio do governo. A mesma exposição foi levada para o Recife e no vernissage estiveram presentes Gilberto Gil e Caetano Veloso que, juntamente com outros nordestinos como Jomard Muniz de Britto, Raul Córdula, Chico Pereira, Celso Marconi e Carlos Aranha, escreveram o manifesto Inventário do Feudalismo Cultural Nordestino, uma peça de referência do Tropicalismo.

Finalmente, no inicio dos anos 80, surge o Núcleo de Arte Contemporânea-NAC da UFPB, que, hoje, ainda está em processo de descoberta. O NAC foi um fato muito importante por manter uma comunicação com o que acontecia no Brasil fora do circuito comercial; era também avalizado pela Funarte e pela Associação Brasileira de Críticos de Arte. As ações de arte conceitual promovidas pelo NAC, com a presença de artistas como Anna Maria Maiolino, Alípio Barrio, Cildo Meireles, Marcelo Nietsche, Paulo Klein, Chico Pereira e outros, provocaram uma revolução aqui na província. Aliás, nem no Rio de Janeiro essas ações seriam bem aceitas. Hélio Oiticica, um dos nossos mais festejados artistas conceituais, escreveu numa carta para Lygia Clark: “Creio que se fizer hoje as experiências que me venho conduzindo em público seria linchado.”

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