segunda-feira, julho 07, 2014

pedro osmar: briga de foice no escuro

A obra de Pedro Osmar – seja musical, pictórica, política, teatral, poética, alucinatória, erótica, gráfica, visual, plástica, literária, psicoquímica ou social-dramática – não se dirige unicamente aos olhos e ouvidos do observador, mas a todos os seus sentidos. Diria até que, conservada tão fluída e natural, sua obra segue uma relação íntima entre arte e vida. Sua poética como seu discurso político não são diferentes de seu cotidiano familiar. Tampouco sua produção plástica está distante de sua “caótico-alucinante” musicalidade. Há muita correspondência entre homem e obra. Entre obra e obra. E, principalmente, entre homem e homem. Toda a obra de Pedro Osmar sempre remete à condição humana (ou à sua própria condição humana). Noutro sentido, poderia até dizer que sua obra é um eterno happening dele mesmo. Basta reler seus inúmeros “textos-manifestos” ou suas poesias eróticas; ou ainda, rever seus “projetos-maquete” para a sede do partido comunista ou suas dezenas de logomarcas institucionais. Quem o conhece sabe do seu engajamento e preocupação por questões marginais: da terra (e dos sem-terra); da ecologia; da arte popular (e de popularizar a arte); das minorias e dos organismos não governamentais...

Conheci sua obra visual antes de ouvir seu som e ter contato com seu texto anarquista. Só depois de conhecê-lo pessoalmente, em 1989, numa ideia (dele) de transformar alguns desenhos e colagens em gravuras em serigrafia, fui, aos poucos, montando esse verdadeiro puzzle multimídia que é Pedro Osmar, também autor de canções como “Beijo, morte, beijo” e “Baile de máscaras”, e dos inolvidáveis CD’s “Signagem” e “Viola Caipira”. Então, quanto mais conhecia a obra-homem (homem-obra?), mais me encantava com a quantidade voraz e o experimentalismo de sua obra gráfica. Adorei os estudos geométricos (talvez futuras logomarcas e símbolos para empresas e produtos) enquanto ele sugeria interferir o quanto quisesse na obra que eu iria imprimir (bem provável que viesse da música essa sua natureza de dividir com parceiros a produção e a criação). E tudo isso aconteceu na mesma tarde que ele me apresentou a Ravi Shankar e Meredith Monk...

A partir daí, me tornei, voluntariamente, uma espécie de curador de sua produção gráfica. Juntos fizemos planos e ideias de produzir zil coisas: álbuns de gravura em serigrafia, exposição do Clube da Gravura da Paraíba no Parque Lage, no Rio de Janeiro, livro de cordel (Cartas de amor de Isidora para João de Pantanha), instalações (Estupro da Mata Atlântica e Chacal Presidente, no Espaço Cultural José Lins do Rego), cartazes para shows, mail art, camisetas anarco-políticas, entre outras ações. Um trabalho exemplar foi as mil capas realizadas para aquele histórico (e único) long playing do Jaguaribe Carne que inaugurou uma ideia de devolver a unicidade à produção em série. Cada cópia do disco ganhou uma capa única, especial. Pedro Osmar trabalhou feito bicho e chamou meio mundo, entre artistas plásticos, crianças, amigos e vizinhos, para interferir nas capas. São obras que merecem ir para a parede de qualquer galeria (enquanto o disco toca na vitrola).

Pedro esteve me apresentando, recentemente, muitos desenhos que são apenas rabiscos (tinta e caneta nanquin) desenvolvidos durante sua estadia em São Paulo, e que se arrasta há alguns anos. Mas, poderiam ser também “páginas de um diário de bicicleta” preparadas como um belo poema em preto e branco. E é graças a sua inquietação que temos o prazer de tê-lo como poeta e artista gráfico da melhor qualidade. Pouca gente sabe que ele é o autor de logomarcas como a do Manaíra Shopping, da Indústria Cerâmica Elizabeth (1ª versão) e do CECAD. Ele não para. Transformamos alguns destes desenhos “paulistanos” em um álbum de serigrafias onde usei apenas duas cores: preto e prata (e onde fui o impressor). Pode parecer bobagem, mas, vez ou outra estamos a falar de nossas negritudes e do vil metal que também nos alimenta, daí o título do álbum ser “Preto e prata”.

A verdade é que Pedro Osmar atuou em várias lutas políticas e brigadas populares; ouviu muita música de carnaval cantada por sua mãe; leu muito jornal de enrolar peixe (do dia anterior); conheceu Aloísio Magalhães e Walter Smetak duma vez só; participou de várias greves de fome; frequentou aulas de ballet e templos religiosos de outras cores; bebeu muito guaraná Sanhauá, fez música para cego ver e continua gargarejando Água Rabelo. No meio, é mais conhecido como “guerrilheiro” cultural, multimídia, experimentalista, guru do Jaguaribismo, pau pra toda obra. Daí, sua vida (ou sua arte?) parecer mais uma briga de foice. E no escuro!

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