quinta-feira, novembro 29, 2012

em cartaz (grupo DIA em exposição na aliança francesa joão pessoa)

As artes visuais em nossa Paraíba tem pouquíssimos casos de grupos (ou coletivos) de artistas. Essa constatação, infelizmente vai de encontro à cena contemporânea em que, cada vez mais, os artistas buscam na ação (e produção) coletiva alguma forma de se contrapor às políticas públicas, sempre excludentes aos iniciantes e jovens talentos.

Nos anos 60, em Campina Grande, o grupo Equipe 3 (Anacleto Elói, Chico Pereira e Eládio Barbosa) foi pioneiro na forma de trabalhar como coletivo (de fato). Além das várias ações, performances e happenings, o grupo empreendeu uma “viagem de estudos” pelos principais centros do país para visitar museus e mostras como a Bienal de São Paulo e a Bienal da Bahia. Mesmo assim, cada um dos artistas tinha sua própria “linha de ação” enquanto indivíduo, culminando em participações “solo” nas Bienais de São Paulo (Eládio) e da Bahia (Chico Pereira e Eládio). Mas, reconhecemos que foi o coletivo que projetou o artista.  

Nos anos 80, no NAC/UFPB, o grupo 3NÓS3 (Hudinilson Júnior, Mário Ramiro e Rafael França), de São Paulo, trouxe para a cidade outro bom exemplo de um coletivo de artistas, não o suficiente para influenciar o surgimento de algum grupo local nesse período. A cena da época ainda enxergava o artista como algo único, individual.

Hoje, o grupo DIA, formado pelos jovens Daniel Ferreira, Izaac Brito e Américo Gomes, traz um sopro de felicidade ao reviver o sentido de trabalhar “pensando junto”. Todos com a ideia de dividir espaço, ação, emoção e conceito. Com passagens pelo curso de Artes Visuais da UFPB (onde se conheceram em 2007), estes artistas seguem o mesmíssimo ideário do Equipe 3 e do 3NÓS3: juntar experiências e discuti-las até tudo resultar numa coisa só, conceitual e esteticamente falando. As forças (e os conhecimentos adquiridos individualmente) são canalizadas para um tema escolhido que pode surgir de um filme, de uma música, das artes gráficas, ou de qualquer assunto que lhes interesse discutir, afirmar, reafirmar, negar...

Para esta mostra, Em Cartaz, na Aliança Francesa João Pessoa, o grupo foi buscar no cinema (vide o título bem apropriado) a ideia para produzir uma série de objetos referentes a filmes – Psicose, de Alfred Hitchcock, e O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, por exemplo – que servem de suporte para a ilustração de algumas cenas marcantes.

Pelas palavras dos “meninos”: “Esta série fala de objetos, mas não de todo objeto. A cenografia é parte fundamental de um filme e, em certos casos, elementos componentes da cenografia ganham grande importância, sendo indispensável para determinada cena. Estes elementos cenográficos adquirem eventualmente status de ator. Seria possível até criar um hall da fama para esses artistas despercebidos batizados aqui como ‘personagens cenográficos’.”

No mais, nosso maior interesse é que o DIA continue sempre se afirmando, trabalhando, atuando... se redefinindo a cada dia. Afinal, cada dia é um novo DIA.

conversa com o grupo DIA

1. Como se deu a ‘descoberta’ de vocês pela arte? Foi fascinação ou desígnio?
Por algum motivo, as crianças adoram desenhar, colocar no papel as coisas e as pessoas que gostam. Não foi muito diferente para nós. O que acontece é que nós como coletivo, tentamos unir nossos pontos de vista, gosto pessoal e afinidades. Tentamos convergir tudo isso em um único produto final, algo que deixa de ser três e passa a ser um só e aquilo que era três passa a ser apenas DIA.

2. De que forma vocês chegaram ao curso de artes da UFPB?
Nos conhecemos estudando artes visuais na UFPB onde pudemos direcionar e aprimorar aquilo que conhecíamos sobre Arte. Apenas Américo concluiu o curso. Daniel optou por estudar Design Gráfico em outra instituição e Izaac, já com formação em Marketing e propaganda migrou para o curso de Comunicação em Mídias Digitais e cursa em paralelo uma Pós-Graduação em Criação Multimídia.

3. Como vocês enxergam hoje o hibridismo da/na arte contemporânea?
Vemos isto como uma ampliação de possibilidades. A oportunidade de infinitas experimentações.

4. Como vocês definem sua atuação nas artes visuais?
Atuamos de forma intensa! Praticamente todos os dias nós estamos desenhando, mesmo que não haja sequer intenção de mostrar essa produção. Usamos quase sempre os meios de produção rápida, e o desenho é a melhor deles! De forma rápida, objetiva e eficiente podemos produzir a representação visual da mensagem que temos a transmitir, quer seja um ponto de vista singular de músicas que gostamos de ouvir ou mesmo o ritmos do momento ou ainda figurações de grandes obras do cinema mundial sob uma ótica diferente.

5. Vocês acham que há espaço/lugar/apoio para os jovens artistas?
Não! Tem muita gente de qualidade por aí que a acaba desistindo da arte pra se sentar atrás de balcões e birôs por que essa seria a única forma de colocar comida em casa, enquanto figuras carimbadas de um circuito pré-estabelecido por amizades e indicações faz com que os artistas de sempre vençam os editais e ocupem as galerias. É triste, mas essa é a realidade em que vivemos e são raras as oportunidades em que jovens artistas conseguem seu lugar ao sol. Este é o cenário encontrado em instituições específicas da Arte. Sem muitas opções para desaguar sua produção o jovem artista caminha pelas margens destes ambientes, inserindo-se em circuitos alternativos ou mostrando seu trabalho na maior e mais acessível galeria existente, a rua.

6. Que artistas ou movimentos dão a vocês mais influências ou agradam mais?
São inúmeros os artistas dos quais admiramos o trabalho, porém são influências diretas em nossos trabalhos, a street art, o design de cartazes, os grafites, entre os diversos ilustradores e animadores contemporâneos. A estética de um filme ou uma animação, o desenvolvimento de personagens para jogos ou mesmos a narrativa visual das páginas de um quadrinho compõe a nossa extensa lista de referências. 

quinta-feira, setembro 13, 2012

um eu, outro eu. eu coletivo

Os anos 1960 foram marcados em todo o mundo por acontecimentos pontuais: guerras, revoluções, explosões, gritos e gemidos. Dos movimentos feministas à Geração Beat; dos hippies de Woodstock aos jovens do Maio de 68, em Paris; das ditaduras sul-americanas à Guerra do Vietnã; da revolução cubana à descolonização da África; da Tropicália de Caetano Veloso ao Minimalismo de Philip Glass; da Pop Art às novas fronteiras e suportes da arte: vídeoarte, arte conceitual, poesia visual, arte postal... Tudo cheirava a mudanças drásticas.

Andy Warhol e seus amigos da Pop Art passaram a criticar a sociedade de consumo norte-americana utilizando imagens comerciais e objetos extraídos do cotidiano em seus trabalhos, momento em que discutiam novos termos: reciclar, transformar, apropriar etc.

Aliás, o jovem Cláudio Foca poderia muito bem ser situado como artista Pop. Ele mesmo assume ao falar dos objetivos de sua obra: “Desconstruir um produto, uma imagem, um texto. Em meio a esse bombardeio de informações, quero causar um impacto positivo e divertido em quem tem olhos para ver. Propondo assim, um novo entendimento, uma releitura dos ícones existentes que nos envolve todos os dias, na TV e nas ruas.”

Todos sabem que o artista Warhol, judeu de classe média de Pittsburgh, na Pensilvânia, antes de se tornar o maior representante do Pop era vitrinista e desenhista de acessórios de moda. E foi essa experiência que o levou a “perceber” a cultura do excesso provocado pela publicidade, pela cultura do consumismo exagerado, pelo mass media.

Com visão privilegiada e bastante antenado com sua geração, Cláudio Foca também acrescentou suas próprias referências e vivências – a tatuagem e o skate, por exemplo – à produção de estampas e desenhos, vez por outra com a participação de amigos como colaboradores. E é aí que se explica o título de sua primeira exposição: Eu Coletivo. Tal como a produção Pop brasileira dos anos 60, também conhecida como Nova Figuração, toda a obra de Cláudio Foca é carregada de humor e irreverência. Basta observar atentamente suas “releituras” de slogans e chamadas publicitárias impressas em veículos de massa, como as camisetas de sua grife MadaFoca.

Aliás, com esse seu empreendimento, e sem perceber a importância da sua produção nas artes visuais (nem pretender os holofotes do Pop), Cláudio nos propõe a democratização (e desconstrução) da imagem, tal aqueles jovens idealistas e ávidos por discutir seu mundo com perspicácia e inteligência. Na verdade, é um jovem artista que muito se destaca nessa multidão do excesso. E, lúcido que é, nos fala de si – o Eu – e do todo: o Coletivo.

conversa com cláudio foca (em exposição na aliança francesa)


1. Como se deu sua “descoberta” pela arte? Foi fascinação ou desígnio?
Nos anos 90 comecei a me interessar mais por arte, de tomar gosto em apreciar a produção de tanta gente boa, em suas diferentes formas, estilos e técnicas, em criar e apresentar um trabalho artístico. Daí, como estava mais envolvido com o skateboard, acabei absorvendo sua cultura, algo mais underground e inovador pra época, e que até hoje é referência. Visto em filmes, fotos, músicas, desenhos, e uma gama de maneiras de expressar ideais e pensamentos de um tipo de revolução. 

Em 1998 eu trabalhava em Recife numa fábrica de shapes (prancha) para skates, criando desenhos que viriam a estampar os mesmos. Era gratificante saber que alguém em outro lugar do país tinha curtido meu trabalho, mesmo que exposto numa vitrine de loja.

2. Vc tem alguma formação acadêmica?
Infelizmente não tenho uma formação acadêmica em artes, passei perto cursando Radio e TV na UFPB em 2003. Tudo que produzo é muito intuitivo. Observar, assimilar e executar.

3. Como você enxerga hoje o hibridismo da/na arte contemporânea?
O bom artista é o versátil. Aquele que consegue se adaptar com o tempo e suas mudanças, que em seu processo criativo pode até fundir o tradicional com algo moderno e obter um bom resultado. A procura pelo novo é uma tendência natural. Reciclar, recriar, contornar as regras.

4. Como você define sua atuação nas artes visuais?
De alguma maneira, mesmo que timidamente dou minha contribuição para a arte, trabalhando em parceria com outros artistas ou dando apoio para eventos alternativos, bandas, por exemplo. Fazendo tatuagens, usando a pele como tela.

5. Você acha que há espaço/lugar/apoio para os jovens artistas?
Sim. Poucos, porém existe. Um exemplo a ser seguido é o da Aliança Francesa que, abrindo suas portas para novos artistas, mantém um ciclo positivo para a arte e os artistas locais.

6. Que artistas ou movimentos te dão mais influências ou te agradam mais?
Gosto muito de Pop Art, Dadaísmo e Arte Conceitual. De trabalhos de tatuadores como Joe Capobianco, Shiko, Trevor Brown, Moebius... A lista é grande... São vários seguimentos artísticos.

terça-feira, junho 12, 2012

homem/paisagem/visagem


Com o objetivo de comemorar os cinco anos de significativa atuação do Centro Cultural Banco do Nordeste, em Sousa, Alto Sertão da Paraíba, aceitamos convite da direção deste centro cultural para organizarmos uma exposição coletiva, exclusivamente com artistas nascidos ou radicados nesta cidade sertaneja, como uma síntese da produção artística local que tem como objetivo fazer alusão à paisagem humana e geográfica da região, desde as referências ao “Homem”, o povo resultado desse caldeirão em que se mesclaram os índios Cariris, além de europeus e africanos, até as contradições de uma paisagem em que o relevo das serras se contrapõe à dureza dos cactos.

E, ao optar por esta vertente – Homem e Paisagem –, aliás tema recorrente quando da inauguração deste CCBNB, em junho de 2007, em que outros artistas paraibanos se apresentaram nas dependências da sua galeria de arte, fazemos agora nova abordagem dedicada a refletir sobre a “função” dos artistas locais envolvidos com a “geografia” da cidade e da região, além da importância arqueológica e histórica da sua gente, do seu entorno.

Aliás, tudo neste homem e nesta terra suscita certo ar de drama e austeridade. E, nada melhor que tentar compreendê-los através das obras destes artistas – da mesma origem, mas de gerações e tendências diferentes –, que ao falar de sua terra, falam para o mundo, ou, do mundo.

O homem e a paisagem deste lugar podem estar presentes em pinturas, caso dos talentos de Welson Bruno e de Maricélia Casemiro; nas esculturas estilizadas ou distorcidas, de Berg Almeida e Bené Pereira, que retratam a face mais sertaneja e sofrida desse povo. E que registre-se o talento do artista Bené por sua rica inventividade ao aproveitar material de sucata (de lata de alumínio e ferro) para criar objetos que também remetem às nossas origens africanas, com todo seu misticismo. Aliás, esse aspecto iconográfico de referência às culturas africanas e indígenas pode ser observado na produção de Mércia Ginna e Sérgio Barbosa. A face nordestina é ainda exemplarmente registrada nas fotografias de Márcio Moraes e de Sidney Alves, este também fazendo contraponto com a aridez da paisagem local. Na verdade, a paisagem reflete, ela mesma, a imagem do próprio observador, do tempo, da terra. Já os artistas Aparecida Moura e Mateus Sarmento, este retornando de temporada de estudos de pós graduação em Portugal, mostram resultados de muito interesse ligados à paisagem. São registros fotográficos em que os artistas optam por interferir na própria obra, seja nos aspectos formais ou mesmo quando “recebe” a colagem de novas imagens formando, ao final, nova paisagem.

O artista Braz Marinho, certamente, o mais proeminente nesta coletiva e com larga atuação inclusive em nível internacional, apresenta algo incomum e irreverente: uma baleadeira (estilingue ou badoque), tão comum às crianças do mundo rural (e até urbano), muito embora com dimensões alteradas (em suas tiras de borracha).

Já na obra/instalação de Janilson Noca, vemos clara alusão às questões políticas enfrentadas pelo homem nordestino há séculos e com apelo em discutir os aspectos sociais contemporâneos, também tão evidente na instalação de parede do artista Márcio Moraes.

Que somos? Onde vivemos? Para onde vamos? De onde viemos? A mostra é bem a “cara” do nosso mundo atual com seus contraditórios embates pela descoberta da significação da identidade, seja da terra ou do homem. 

quarta-feira, abril 18, 2012

muito prazer! (para talita paz, em exposição na aliança francesa joão pessoa)

Imagino que todo jovem artista quer que suas verdades cresçam, que perca a timidez de exibir suas ideias, que se consolide com a obra que está produzindo e que ela evolua ao longo do percurso ainda desconhecido. Então, na verdade, ele/ela tem toda uma expectativa de carreira profissional à espera de um reconhecimento além dos amigos e familiares...

E isto é muito apropriado à jovem artista Talita Paz. No meu primeiro contato com ela (quando colaborou com a exposição de Daniele Calaço, na Aliança Francesa, em 2009), ainda não sabia de suas múltiplas “habilidades”: da fotografia à dança de salão (e do ventre!), da poesia ao canto coral. Até aí nada demais para alguém jovem e plena de desejos pela arte, já que, na época, ela também frequentava o curso de artes visuais da UFPB.

Mas notei, ao longo destes anos, que Talita tinha se dedicado muito mais à fotografia: comprou uma câmera profissional e passou a experimentar ensaios lúdicos e cheios de estilo (e criativos) com amigas e clientes (que se tornavam novas amigas). Veio daí meu interesse em convidá-la para o programa Jovens Talentos, da Aliança Francesa. Mas como na vida nada acontece por acaso, desisti de – como seu curador – propor um recorte de sua produção recente, quando a deixei falar do que pensava exibir... E ela não parou de falar de suas ideias, obras, planos, projetos, desejos... Mostrou desenhos, anotações e croquis... Até que me convenci de que ela deveria fazer uma “retrospectiva” de sua produção!

Então, nesse caso, eu devia deixá-la “se mostrar”, bem solta, completa, e se apresentar a todos (e a mim também) com suas propostas várias: fotografia, poesia, assemblage, desenho, instalação, dança... Na verdade, um pouco do híbridismo que já lhe marca como artista múltipla, contemporânea (e com “futuro”). Com vocês... Talita Paz!

conversa com talita paz

1. Como se deu sua ‘descoberta’ pela arte? Foi fascinação ou desígnio?

Minha mãe fazia Educação Artística na UFPB e ela sempre me levava pra assistir as aulas. Eu era a “mascote”, a cantora mirim nas aulas de música, a atriz nas aulas de teatro e a modelo das aulas de desenho. E ficava desenhando os colegas de turma da minha mãe... Sempre tive materiais artísticos em minha volta e experimentava tudo sem restrições, amava tudo aquilo e suas possibilidades criativas. Assim, além de “designada” eu era (e ainda sou/estou) fascinada por arte e todas suas vertentes (e estou imersa nela até hoje).

2. De que forma vc chegou ao curso de artes da UFPB?

Na verdade eu sempre quis fazer fotografia. Ganhei minha primeira câmera com sapata e flash aos sete anos e ainda a tenho (cor: amarelo-limão... rsrs). Mas minha família não tinha condições de bancar meu curso, e o mesmo aconteceu com Arte e Mídia em Campina Grande: também não teve como... Assim, optei por fazer Educação Artística aqui em João Pessoa mesmo, onde eu sabia como era o curso, e sabia que agora com mais idade eu poderia tirar melhor proveito de cada disciplina oferecida pelo curso, e assim o fiz. Mas não deixei de estudar e “correr atrás” da fotografia, que sempre foi meu foco. Embora eu nunca tenha deixado de lado as outras artes que eu fazia: Canto coral, com Socorro Estrela, desde os seis anos; depois, no Núcleo de Ópera da Funesc, com Amarílis de Rebuá e, por último, no Coral Gazzi de Sá, da UFPB, com Eduardo Nóbrega e Tom K. Bem como: Dança de Salão, de 1997 a 2003, e de 2009 até agora; e, Dança do Ventre, de 1997 a 2003.

3. Como você enxerga hoje o hibridismo da/na arte contemporânea?

Acho fundamental. Pois o leque de possibilidades aumenta dando maior poder criativo e liberdade de expressão, ampliando os horizontes, intrigando, desvendando, instigando, tocando o expectador, aguçando os sentidos, pondo-os para parar, observar, refletir, discutir, destrinchar e muitas vezes montar o “quebra-cabeça” que é a vida.

4. Como você define sua atuação nas artes visuais?

Ativa, produtiva, contínua, perspicaz e silenciosa... Pois sempre foi difícil mostrar meu trabalho. Todas as minhas produções são arquivadas, guardadas e poucas pessoas as conhecem, não mostro para todo mundo, apenas para pessoas especiais para mim (algo meio que um ritual de intimidade e confiança). Mas hoje penso diferente, já estou mais madura e confiante, sem receios ou medos de me expor, me revelar, de compartilhar pensamentos, sentimentos, momentos. Hoje me vejo como um livro aberto... Lê quem quer! E agora estou tendo a oportunidade de abrir este livro e compartilhar um pouco do que sou e por onde passei, quem passou por mim e me ajudou a ser de alguma forma a pessoa, artista, dançarina e fotografa que me tornei.

5. Você acha que há espaço/lugar/apoio para os jovens artistas?

Sim, mas poucos. Poucos são os lugares que realmente investem no novo, nos jovens artistas. E, na maioria, quando investem não têm o cuidado de oferecer boa “apresentação” das obras. Falo isso para os “novos artistas”, pois para os já conhecidos a história e as “pompas” são outras... Quem é do meio sabe como funciona, infelizmente. Enfim, é lógico que há exceções, mas são poucas. E isto [investir nos novos], é de extrema importância para todos nós “novos”, pois só assim teremos oportunidade de compartilhar nosso talento, habilidade, criatividade, experimentações. Isso é que é legal: novas propostas, novas possibilidades.

6. Que artistas ou movimentos te dão mais influências ou te agradam mais?

Tive bastante influência de grandes amigos artistas, entre eles: Amenemar, Flávio Tavares, Eliéser Filho, Miguel dos Santos, Cristina Strapação, Florismar Gomes (Flô), Silvino Espínola, Jacqueline Lima, Maximiano Fernandes, Sheilla Fadja, Danielle Calaço, Roncalli Dantas, Américo, Marta Penner, Dyógenes Chaves, Shiko, Eleonora Montenegro, Wilson Figueiredo, Paulo Aurélio, Cácio Murilo, Júlio Fontes, Almir Xavier, Ricardo Peixoto, Edu Costa, David Ribeiro, Roberto Mendonza, Leonardo Aires, Eduardo Vieira, Eugra Souto, Eduardo Moura, entre muitos outros... Quanto a meus estilos preferidos, no que diz respeito a desenho e fotografia, me envolvo muito com pessoas, sua simplicidade, sentimentos, sensualidade e o erotismo, a estima por si mesmo, os conflitos pessoais, o romance e a mistura de tudo, a contemporaneidade.

segunda-feira, março 26, 2012

a serigrafia artística na paraíba

Na Paraíba, como em outros lugares, a técnica da serigrafia (ou silkscreen) surgiu, inicialmente na produção de flâmulas e decalques plásticos destinados à promoção de eventos, e na impressão de rótulos e caixas de papelão para embalagens de produtos (sabão, vela, cigarro, fósforo, sabonete etc.), antes, só possível por meio da impressão em tipografia e litografia.

Já a utilização pioneira da serigrafia nas artes visuais paraibanas, a partir dos anos 1970, é creditada ao serígrafo, Alcides Ferreira, e ao artista plástico, Arthur Cantalice, e este, à época, aprendeu rudimentos da técnica em viagens aos Estados Unidos. O processo então empregado era o de filme de recorte: uma película aplicada sobre uma folha de plástico, com detalhes do desenho cuidadosamente recortados, a partir do que se obtinha uma imagem vazada, ou seja, um “molde vazado” (ou estêncil). Hoje em dia, o processo denominado photoscreen – que utiliza recursos da fotografia – é o mais difundido, comercial e industrialmente.

A partir do curso ministrado pelos serígrafos, Laércio Pereira (SP) e Alcides Ferreira (PB), no Núcleo de Arte Contemporânea (João Pessoa, 1979), quando da exposição do artista, Cláudio Tozzi, e no V Festival de Arte (Areia, 1979), os artistas locais passaram a fazer uso da técnica de photoscreen, com objetivos de multiplicar e dar visibilidade à sua produção gráfica. As gravuras eram editadas no ateliê de Alcides Ferreira – considerado um dos melhores do Nordeste –, de quem o artista e serígrafo, Dyógenes Chaves, foi seu principal assistente entre 1982-86. Das obras então produzidas, destaque para os álbuns de serigrafia de artistas como Guy Joseph, Raul Córdula, Flávio Tavares, Fred Svendsen e Chico Dantas, dentre outros.

Muito antes disso, nos anos 60, o artista norte-americano, Andy Warhol, já se utilizava da serigrafia – técnica de impressão gráfica, até então apenas utilizada na produção industrial, têxtil e publicitária –, como meio principal para a realização de suas obras, no auge do movimento Pop Art.

Inventada pelos japoneses há dois mil anos, a serigrafia deriva da técnica do estêncil, muito empregada na estampagem artesanal de tecidos. Esta técnica − ainda hoje usada na marcação de embalagens − consiste em recortar, de uma folha de papel, a imagem ali existente, que resulta vazada. Em seguida, passou-se a usar um tecido de trama e fios finos e regulares, tensionado em uma moldura de madeira. Neste caso, obtém-se a impressão com a utilização de um rodo de borracha, para “puxar” a tinta ao longo da superfície da matriz (moldura, tecido e estêncil), colocada sobre o suporte (papel) em que se quer imprimir a imagem.

Em resumo: a diferença entre as diversas técnicas de gravura e a serigrafia está na forma de impressão, ou seja, na serigrafia a imagem é obtida pela ação do rodo, que viabiliza a passagem da tinta através do tecido da matriz, nas demais técnicas a imagem é obtida por intermédio direto da matriz, que é entintada para posterior transferência ao papel (tal qual um carimbo).

Hoje em dia, a serigrafia é amplamente utilizada por artistas plásticos na “multiplicação” de suas obras – quase sempre destinadas à decoração de interior em hotéis, hospitais etc., que demandam várias cópias da mesma matriz –, sem perder sua originalidade (a gravura, apesar de reproduzida em série, mantém-se original, já que é assinada e numerada, uma a uma, pelo autor) e a um custo mais acessível ao mercado de arte. O único senão é o fato da gravura em serigrafia ser totalmente manipulada por um técnico impressor e não pelo próprio artista – como se dá nas outras técnicas –, o que resulta em menor envolvimento do artista-autor com sua criação.

Entre 2010 e 2011, a Usina Cultural Energisa (João Pessoa) e o Centro Cultural Banco do Nordeste (Sousa-PB) apresentaram a mostra Serigrafia: 30 anos de produção de gravura na Paraíba, que propunha um pequeno recorte histórico da produção gráfica paraibana, apresentando a rica variedade de tendências dos nossos artistas além de pertinente discussão sobre o fazer artesanal e industrial (serigrafia) na arte contemporânea, com a exibição de obras produzidas pelos serígrafos, Dyógenes Chaves e Alcides Ferreira e de autoria dos principais artistas paraibanos.

sexta-feira, março 02, 2012

para roncalli dantas (em exposição na aliança francesa joão pessoa)

1. O mundo dá voltas. A cada volta tantos encontros (e desencontros). Até as pedras se encontram. A isso dá-se o nome de “entre”.

2. E é aí – na ida, na volta, no “entre” – que o artista, Roncalli Dantas, recolhe as mais recônditas imagens-palavras para produzir sua obra-vida. E, a cada volta que o mundo dá ele divide aquilo que recolhe com quem encontra: parceiros, amigos e anônimos. A isso dá-se o nome de “generosidade”.

Pudera. Colaborar, dividir, somar, apropriar, tomar emprestado, dar, doar, receber não são para qualquer um. Mas para Roncalli, são sim.

3. Sua obra, multifacetada e híbrida, verbo ou figura, velha ou nova, é o melhor exemplo de sua geração. A isso dá-se o nome de “o nosso mais completo artista contemporâneo”.

Pudera. Fotografia, desenho, livro de artista, poema, vídeo, objeto, não são para qualquer um. Mas para Roncalli, são sim.

4. Se pudéssemos nomeá-lo (como artista ou não), ele seria a pedra que gostaríamos de encontrar no meio do caminho. A cada volta que o mundo dá.

conversa com roncalli dantas

1. Como se deu sua ‘descoberta’ pela arte? Foi fascinação ou desígnio?

Nos últimos anos da década de 90 comecei a acompanhar o pessoal da Agência Ensaio [de fotografia], participando de exposições em varais nas ruas, de workshops nas feiras de arte e no SESC, que ocorriam anualmente em João Pessoa. Em 2002, ao entrar no curso de Letras fiquei fascinado pelos poemas concretos e pelas aulas do professor, Amador Ribeiro Neto, que foi como um choque, um tapa na cara. A materialidade visual do texto, os sentidos do espaço da página e a ênfase na verbovocovisualidade nos impulsionava a estudar, além de literatura, teoria de cinema e artes visuais. Então, comecei a estudar História da Arte numa abordagem semiótica para ter melhor compreensão dos poemas concretos. Já no fim do curso, conheci a professora, Beliza Áurea, que me apresentou outras faces, possibilidades híbridas da literatura. Ela me jogou em sala de aula para ensinar cultura brasileira para estrangeiros e fomos para o campo de pesquisa estudar performance, a palavra no “corpo” presente na canção popular, o universo colorido das festas populares e das religiões afro-brasileiras. Eu era fascinado simplesmente pela leitura, sem a menor intenção de criar.

2. De que forma você chegou ao curso de artes da UFPB?

Eu “cheguei” no curso de artes em agosto de 2005 por causa dos artistas, Cristina Carvalho e Adriano Barreto. Eles foram meus primeiros colegas de um “curso de artes” que jamais fiz formalmente. Foi um curso de segunda mão, pois eles assistiam as aulas e depois eu captava resquícios dos debates, das sobras das discussões mais importantes para eles. Eu acabei criando imagens dos professores de arte da UFPB – Silvino Espínola, Chico Pereira, Ricardo Dubinskas, Sicília Calado, Rosilda Sá, Erinaldo Alves – a partir das conversas com os meninos, que se misturavam com Duchamp, Polock, Man Ray, Einsenstein. Depois, começando a expor com Cris e Adriano, a professora Rosilda me chamou para falar sobre um trabalho de livro de artista que eu tinha realizado através de um curso no Casarão 34, que na época tinha Maria Botelho, Dyógenes Chaves e Rodolfo Athayde na coordenação. No final de 2006 fui para São Paulo fotografar as obras da bienal e das galerias com o objetivo de abrir um grupo de discussão no Núcleo de Arte Contemporânea, num projeto de pesquisa encabeçado pela professora, Paula Ziegler, que me apresentou à coordenadora do NAC, a professora Marta Penner. No ano seguinte, posei como modelo vivo para uma turma de desenho de Marta e logo após, acabei colaborando com alguns trabalhos realizados por ela e participando de grupos de estudos e grupos de pesquisa na área de ensino de artes com os professores Sicília Calado e Erinaldo. Portanto, me considero também cria do cenário artístico fomentado pela UFPB a partir da chegada dos professores Marta, Sicília, Marco Aurélio e Dubinskas, em 2006.

3. Como você enxerga hoje o hibridismo da/na arte contemporânea?

Atualmente existe uma valorização de questões sobre desterritorialização, entre-lugar, hibridismo, diálogos culturais, rizomas, fragmentação, fluidez, diluição etc. Todas estas questões filosóficas são importantes, mas quando temos como parâmetro o Brasil, estas questões ganham outra dimensão, pois nós somos “essencialmente” seres híbridos, formados pelo diálogo e violência entre diferentes raças. Se existir, algum dia, algo para unir socialmente o Brasil, isto será a nossa impureza cultural. Então, agir de maneira híbrida, não é uma questão de opção estética, de tendência, de momento histórico, mas é uma questão de referencial, que nós carregamos internamente, que foi gerado em nossa formação cultural. Então o purismo artístico, tais como o sujeito essencialmente “pintor”, o essencialmente “fotógrafo”, o “cineasta”, o “escultor”, por mais importantes que sejam em suas pesquisas criativas, existirá sempre em cada um deles uma persona deslocada, inquieta e com impulsos para perverter o seu oficio, sua arte, o suporte e a própria pesquisa iniciada. O caos, a fluidez, a desorganização, a fragmentação tem pontos positivos e negativos, portanto, não nos faz melhores, mas nos proporciona uma identidade, que é frágil, escorregadiça e muitas vezes, sabotadora de nós mesmos.

4. Como você define sua atuação nas artes visuais?

Em João Pessoa eu tenho a clara impressão de que minha atuação é de convergência. Boa parte do que faço são resultados de colaboração com outros artistas, às vezes, apropriações, outras vezes, edições ou produto de diálogos. De maneira que a intenção criativa já nasce em tensão.

5. Você acha que há espaço/lugar/apoio para os jovens artistas?

João Pessoa possui divisões sociais estanques desde a época em que a população se deslocou do centro para a praia. A população se dividiu de uma maneira que blocos de pessoas não interagem em nosso meio cultural, impedindo interpenetrações, hibridismos sociais que gerou um congelamento da cultura popular (estamos parado no armorialismo de Ariano, via Recife) e também das artes de pesquisa (ficamos na semana de arte de 22). A consequência disso é que a arte contemporânea ficou em um lugar não demarcado socialmente. Não tem visibilidade. O público é o mesmo já há algum tempo e não existe política pública que faça mudar a falta de interesse pela produção local, como museus de arte contemporânea ou galerias que possam dar conta desta produção. Infelizmente, são os próprios artistas locais os “zeladores”, detentores históricos das obras de artes visuais dos anos 1990 e 2000. Pois como se sabe, nos anos 1980 em João Pessoa imperou a pintura. Eu mesmo tento adquirir trabalhos de novos artistas com esta intenção de guardar a memória artística dos anos de 90 a 2000

6. Que artistas ou movimentos te dão mais influências ou te agradam mais?

Como venho das Letras, sou muito influenciado pelos poetas e escritores que trabalham a materialidade visual do texto escrito. Pierre Verger, Caribé, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Décio Pignatari, J. Borges. Também me envolvi com pensadores da cultura brasileira como Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda graças à minha orientadora, Beliza Áurea. Contudo, a obra de cabeceira é o Cerco da memória do poeta Sérgio de Castro Pinto. “Vira e mexe” estou relendo esta coletânea. Nas artes visuais gosto de Cildo Meirelles, dos construtivistas russos, do dadaísmo e da arte conceitual dos anos sessenta e setenta, dos happenings, da Land Art, do Fluxus etc. Estou começando a me interessar pela Pop Art americana, muito embora esteja certo que o Brasil produziu coisas melhores no mesmo período. Na Paraíba, eu gosto de Gonper, Marta Penner, Rufino, Íris Helena, Américo, Manoel Fernandes, Adriano Barreto, Cristina Carvalho, Dani Calaço, Danielle Travassos, Prince, Verdeee, Chico Dantas, Dyógenes, Vagner e Serge Huot.

sábado, janeiro 14, 2012

(in)feliz ano novo?

Há 30 anos, na minha adolescência, o carnaval era tempo de sair da cidade em busca de aventuras... Praias de Jacumã, Baía da Traição, Canoa Quebrada e até Olinda e Salvador eram as melhores alternativas para jovens como eu que ainda sonhavam com “sexo, drogas e rock’n’roll” e que não tinham o que fazer em João Pessoa, onde carnaval era sinônimo de mela-mela nos bairros, desfile das pobres agremiações carnavalescas e os bailes dos clubes Astréa (Azul e branco), Cabo Branco (Vermelho e branco), Jangada (Verde e branco) e Iate (Noite do Havaí).

Foi assim, com essa febre de sair da cidade na época do carnaval, que nasceu o Bloco Muriçocas do Miramar e, junto com ele, o projeto Folia de Rua. Daí inventou-se o carnaval do “antes do carnaval”. E, então, todo mundo continuou “fugindo” do carnaval de João Pessoa, embora tivesse lá seu charme poder brincar um carnaval diferente, mais popular, indo “atrás do trio elétrico”, literalmente. Destaque para o fato de que, nessa época, as pessoas daqui (e de Campina Grande, especialmente) costumavam “veranear” (férias de verão) alugando casas na faixa que vai do Mar dos Macacos (hoje, o bairro de Intermares) até Praia Formosa, em Cabedelo. Sempre tínhamos a casa de um amigo pra visitar durante o período de veraneio e nestas visitas e festinhas nasceram muitos “namoros de verão”.

Tempos depois, um famigerado prefeito de João Pessoa inventou de trazer o Axé Music – que explodia no país inteiro – para “alegrar” os jovens (eu, já nem tanto assim) em eventos carnavalescos que tinham o prefixo “mica” (que tem origem na festa francesa, mi-carême, ou seja, que ocorre no meio da quaresma). Espalhou-se no Brasil, a partir de Feira de Santana e de outras cidades nordestinas, esse tipo de carnaval “fora de época”: Micareta, Micarande, Micaroa, Carnatal, Fortal... Isso só fez encher de grana os protagonistas desse tipo de música baiana (há outros baianos, ainda bem) e as empresas de cerveja (então, seus principais patrocinadores).

Outros tempos depois, outro prefeito, muito mais envolvido com os movimentos populares e artísticos, resolve abolir com essa baboseira das “micas”. Não só investiu na música local como também passou a trazer para a cidade nomes de “peso” da boa música brasileira. Ou seja, no verão e no carnaval teríamos, finalmente, motivos para não deixar a cidade. Todos ficamos deslumbrados. Além do nosso bom pré-carnaval – seguindo as Muriçocas, as Virgens de Tambaú e os Cafuçus, especialmente – poderíamos curtir os numerosos festivais de verão: Centro em Cena, Estação Nordeste, Estação do Som, Música do Mundo, Festival Canavial... E tudo já começava no Réveillon.

Não tenho dúvidas de que João Pessoa, entre as capitais nordestinas, é a que apresenta a melhor programação de música no período das férias de verão, em 2012. Somando recursos da Prefeitura e do Estado, foi investido cerca de 1 milhão de reais para pagamento de cachês, passagens, hospedagem e aluguel de palco, luz e som.

No entanto, também há divergências e discrepâncias. Vejamos algumas questões que merecem reflexão de todos (até daqueles que estão abestalhados com tanta coisa boa acontecendo na cidade).

1. Apesar do grande volume de recursos financeiros pros músicos, quem leva a maior fatia são aqueles que vem de “fora”. É uma vergonha o cachê dos grupos e artistas locais que se apresentam nas praças, principalmente;

2. Não incluíram a “prata da casa” – da música – na programação principal (nas areias de Tambaú);

3. Proporcional ao que foi investido (financeiramente também), não incluíram nenhuma “boa” programação em áreas como literatura, dança, teatro, cinema e artes visuais. Vale dizer que uma coisinha aqui e outra ali é apenas querer tampar o sol com uma peneira.

Claro que numa programação cultural de verão, mais voltada para eventos de rua, é complicado organizar atividades afeitas para locais fechados (cinema, teatro, dança e artes visuais, em especial). No entanto, falta mesmo é “cabeça pensante” no poder oficial que “crie” projetos nestas outras áreas da cultura. Por exemplo, com o mesmo investimento de trazer um Frejat ou um Antonio Nóbrega, poderíamos convidar um grande grupo de dança (ou de teatro) para várias apresentações gratuitas. Ou organizar exibições de cinema ao ar livre. Ou levar a Orquestra Sinfônica para a praia...

Na área de artes visuais também há muitas opções. Parece até que nossos dirigentes nunca ouviram falar de Street Art, de ações de arte pública com artistas realizando intervenções urbanas, mutirões de grafite, esculturas efêmeras ao ar livre, oficinas de artes para crianças (afinal, estamos de férias), concurso de escultura de areia, mostras em placas de outdoor espalhadas pela cidade... Pelo visto, aqui não falta dinheiro pra música no verão, apesar de faltar dinheiro o ano inteiro para outras categorias artísticas, inclusive para o nosso bom pré-carnaval.

Vou ficando por aqui. Daqui a pouco vou buscar minha filha que está se divertindo com as amiguinhas na Praia de Tambaú (muito diferente de Luiza, que está no Canadá, infelizmente).

sábado, dezembro 31, 2011

infeliz ano velho

Como acontece a cada final de ano, as pessoas geralmente fazem uma “retrospectiva” de sua vida pessoal e daquilo que ocorreu noutras searas – cultura, política, economia etc. – e que, óbvio, também diz respeito à sua vida. No entanto, fazer um balanço do que aconteceu em apenas um ano serve mais para ensaiar um jogo de memória (lembrar pessoas, datas e acontecimentos, por exemplo) do que para refletir judiciosamente sobre cada momento vivido.

Como em toda e qualquer análise essa “retrospectiva” terá a cara daquele que a realizou, com seus pontos de vista, versões e/ou opiniões próprias. E é este o caso. Pode haver discordâncias ou concordâncias, dependendo do lado que o leitor esteja.

Nas artes plásticas (minha principal área de atuação), posso dizer que tivemos um ano pífio (aqui em João Pessoa, Paraíba, especialmente), apesar dos pesares. Vejamos:

No âmbito federal, o Ministério da Cultura ainda não disse a que veio. O ano começou com polêmicas no planejamento do evento Europália (previsto para acontecer na Bélgica, em outubro) e com atrasos (além da falta de informações) na análise de dezenas de editais, ambos, assuntos “criados” ainda na era Juca Ferreira (no MinC), portanto, problemas oriundos de outro “governo” (a segunda gestão de Lula). A nova ministra, Ana Buarque de Hollanda, ainda hoje bastante questionada por diversos setores da sociedade civil, iniciou seu mandato retirando a logomarca do Creative Commons do portal do MinC, o que provocou acalorada discussão sobre direito autoral na área artística. Apenas no finalzinho do ano é que surgiram boas notícias: retomada da discussão em torno dos editais atrasados; lançamento de novos editais e das metas do Plano Nacional de Cultura, esta, certamente, a mais importante ação do governo federal na área da cultura. São metas e linhas de ação que servirão de orientação aos estados e municípios brasileiros.

Já, em nível estadual e municipal, as artes plásticas andaram para trás. No estado, nada se fez em prol de ações de formação (de platéia e de artistas), de produção e de circulação. Nada. Lamentável que estamos falando do governo de Ricardo Coutinho que, anos atrás, foi o principal articulador da lei de incentivo à cultura (a Lei Viva Cultura, do município de João Pessoa). Neste ano foi extinto o Conselho Estadual de Cultura (por serem membros "indicados" pelo poder oficial, nem tinha lá tanta importância, mas foi "riscado" do mapa) e pago, finalmente, o restante das parcelas do Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos (lançado ainda no governo Cássio). Só. Também, devo registrar que o Festival Nacional de Arte foi cancelado (por que parou? parou por que?) e nada foi feito de concreto para a instalação do Museu de Arte Contemporânea da Paraíba.

No município de João Pessoa a coisa foi bem pior (se é que pode ser assim tão ruim). Apesar da manutenção das ações do Fundo Municipal de Cultura e do edital para oficinas de artes (formação e capacitação) em várias localidades da periferia da cidade, nada foi acrescentado que pudesse estar à altura da nossa produção em artes visuais. O Salão Municipal de Artes Plásticas [Samap], que mesmo executado totalmente com verba da Funarte (edital Festivais de Fotografia, Performances e Salões Regionais, na categoria Artes Visuais 2010), ainda não produziu seu catálogo como também não honrou, satisfatoriamente, outros compromissos: do não pagamento de cachê a um dos membros da comissão de seleção e premiação até o atraso, injustificado, do repasse de prêmios e pro labore a alguns dos artistas selecionados e o adiamento, por diversas vezes, da realização da mostra da artista, Danielle Travassos, detentora do prêmio de artista revelação do referido Salão. Somente após ampla divulgação nas redes sociais, a Funjope agendou para dezembro a mostra de Danielle na Estação Cabo Branco.

Lamentável é confirmar, mais uma vez, que quase toda a verba (mesmo pouca, diga-se) destinada à cultura pelos governos – do Estado da Paraíba e da Prefeitura de João Pessoa – foi dedicada às ações na área de música e de cultura popular. Para atestar essa informação basta acessar os portais dos órgãos culturais que, graças à Lei Capiberibe (Lei Complementar Federal nº 131/2009, que obriga os poderes nas esferas municipais, estaduais e federal a publicar, em tempo real, na internet, suas receitas e seus gastos), é possível saber, exatamente, os recursos investidos na área cultural.

Nada contra o apoio oficial à cultura popular e à “boa” música, mas não se justifica o “quase nenhum” investimento em artes visuais, literatura, dança etc. De quem é a culpa? Dos mandatários do poder? Dos artistas? Será que precisaremos fazer algum lobby para termos um artista plástico (ou escritor ou poeta ou cineasta, por exemplo) como secretário de cultura? Em tempo: o curto período da gestão do artista plástico, Flávio Tavares, na ainda Subsecretaria de Cultura não foi bastante para fazermos melhor avaliação. Aliás, deveríamos tomar como exemplo a atuação de Gilberto Gil no Ministério da Cultura que, mesmo sendo da área musical, investiu fundamentalmente em todas as tendências, matizes, raízes, etnias e categorias da cultura.

Há expectativas para o(s) próximo(s) ano(s). Somos otimistas, claro. Apesar de tudo, esperamos que os governos ainda nos apresente um programa de fomento às artes através de investimentos na circulação e formação (de platéia, de técnicos e de artistas), na consolidação de mercado (financiamento em condições de competitividade, economia criativa) e na implementação de políticas públicas (inclusão social, patrimônio cultural, editais públicos etc.).

Para finalizar, destaque para dois eventos que merecem aplausos: a exposição iconográfica sobre José Simeão Leal (Usina Cultural Energisa, entre junho e julho) e a mostra, Divortium aquarum, de José Rufino (Usina Cultural Energisa, entre setembro e novembro, inaugurando o Prêmio Energisa de Artes Visuais). Dois artistas e personalidades – por acaso, primos, embora de gerações distintas – que são unanimidade na cultura nacional (isso é coisa rara) e orgulham nossa pobre Paraíba. Sem mais palavras.

sexta-feira, junho 24, 2011

tarda, mas não falha!

No final de maio foi anunciada a prisão do general servo-bósnio, Ratko Mladic, o último dos três homens acusados de liderar uma limpeza étnica durante a guerra de 1992-95 na Bósnia. Mladic, foragido há 15 anos, será julgado em Haia por acusações de orquestrar o cerco brutal de 43 meses à capital bósnia Sarajevo e pelo massacre de 8 mil homens e meninos muçulmanos na cidade de Srebrenica, em julho de 1995. Já o Tribunal Penal Internacional para Ruanda condenou à prisão perpétua, neste mês de junho, em Arusha, na Tanzânia, a ex-ministra, Pauline Nyiramasuhuko. Pauline era uma dos principais réus de um grupo de seis pessoas acusadas de crime de genocídio e crimes contra a humanidade durante o massacre de tutsis em Butare (sul de Ruanda), e se tornou a primeira mulher condenada por genocídio pela jurisdição internacional.

O que agora ocorre com Ratko Mladic e Pauline Nyiramasuhuko também vem acontecendo, desde o Holocausto, com tantos outros ditadores, militares e dirigentes políticos que engendraram genocídios e outros crimes contra a humanidade. Ou seja, a justiça tarda, mas não falha. E agora, diante do levante popular no norte da África e no Oriente Médio também podemos esperar, em breve, julgamentos dos ditadores de países como Tunísia, Líbia, Egito, Síria, Iêmem, Bahrein etc.

Aqui no Brasil se diz que temos pouca memória, que logo esquecemos o mal que alguns dirigentes e políticos fizeram (e fazem) ao povo. São características de nossa formação cultural. Somos passivos demais. Temos amnésia para com os déspotas, embora, vez ou outra, haja surtos em tentar fazer justiça e/ou refletir sobre as cicatrizes do passado. Hoje estamos mais atentos.

No entanto, até parece que alguns administradores nunca imaginam que, um dia, serão julgados por seus atos, bons ou não. As pesquisas acadêmicas, hoje em bem maior número, e mesmo quando estão debruçadas sobre questões atuais, sempre partem de exemplos, ações e movimentos do passado. Ora, os fatos antigos sempre vem à tona e servem como instrumento para analisar a história e/ou julgar os bons e os maus.

Exemplo recente é o do ex-reitor da UFPB, Lynaldo Cavalcanti, que hoje é aclamado como aquele que, nos últimos 40 anos, fez a gestão mais progressista jamais vista em uma universidade nordestina. Mesmo ainda não devidamente reconhecido por toda sociedade, o professor Lynaldo instituiu na UFPB um tipo de gestão – especialmente, investindo nos cursos tecnológicos e nas ações de extensão – que atesta sua visão futurista. E atentem que ele dirigiu a universidade em plena ditadura militar...

Atualmente, na Paraíba, é notória a falta de responsabilidade dos nossos governantes quanto à aplicação de uma política cultural que responda, satisfatoriamente, ao desejo de tratar cultura como política de estado. Por desconhecerem o assunto, os governantes (a maioria jamais “frequentou” teatros, cinemas ou museus e são incapazes de trocar meia dúzia de palavras sobre o assunto) nomeiam pessoas sem nenhuma qualificação para dirigir órgãos culturais. Tudo gira em torno de mero arranjo político ou “de comadres”. E, por conseguinte, estas pessoas nomeiam outras que também não são qualificadas para os cargos. Resultado: um chefe despreparado e uma equipe desqualificada. E assim temos um monte de equívocos sendo tratados como “política cultural”. Vejam o primeiro parágrafo da introdução do documento Sistema Nacional de Cultura-SNC (MinC, 2011): “...As políticas para a cultura ainda ocupam posição periférica na agenda da maioria dos governos, além de serem conduzidas de forma pouco profissional. Parte desse problema está na indefinição a respeito do papel do poder público (Estado) na vida cultural.”

Ora, realizar encontros com as várias categorias artísticas e em todas as regiões do Estado é uma redundância desnecessária, talvez, mera ação politiqueira e demagógica. Afinal, desde o primeiro governo Lula, o Ministério da Cultura (além de estados e municípios) já promoveu inúmeros diagnósticos com maciça participação da sociedade civil, em todos os rincões do país. Alguns destes documentos – resultado das I e II Conferência Nacional de Cultura, ocorridas em 2005 e 2010 –, há muito estão disponibilizados no portal do MinC (www.cultura.gov.br), para que municípios e estados os tomem como referência na construção de suas políticas públicas. Há, inclusive, um Guia de Orientações para os Municípios – Perguntas e respostas, produzido pelo MinC em maio último.

O atraso na área cultural e a desmontagem dos órgãos oficiais provocados por dirigentes irresponsáveis serão, inexoravelmente, algum dia, relatados por pesquisas acadêmicas e estatísticas, e também amplamente divulgados. Foi assim quando o ex-presidente Collor desmobilizou órgãos vitais como a Funarte e a Embrafilme, por exemplo, provocando estagnação e atraso no setor cultural. Somente anos depois, já na primeira gestão do governo Lula, é que a cultura retomou sua importância, sua recuperação e é, atualmente, de fato, um projeto “federal”, que abarca todas as regiões, etnias, minorias e áreas artísticas. Hoje, todo o setor cultural do país tem a exata dimensão da destruição provocada pelo ex-caçador de marajás (isso até virou piada). Também, deve-se levar em consideração a força e importância, nos dias de hoje, das redes sociais que agem seja na mobilização popular ou na divulgação de denúncias, desmandos e outros crimes. Vejam o exemplo do que vem ocorrendo na Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Bahrein, China, Coréia do Norte, Argélia, Marrocos...

Claro que as comparações – crimes contra a humanidade e má gestão pública – acima citadas até podem ter certo exagero, mas, creiam, é impossível mensurar os males provocados por ambos os crimes. Portanto, preparem-se senhores dirigentes e políticos: a história não falhará. Até por que, na época da barbárie da Segunda Guerra, ninguém também imaginaria que os monstros nazistas fossem, um dia, julgados e condenados por seus atos...

domingo, maio 01, 2011

dar a césar o que é de césar

Foi instalada uma “boa” polêmica nas redes sociais e principais veículos de notícias – locais e nacionais – comentando sobre recentes declarações do secretário de cultura da Paraíba, Chico César, que disse (ou não disse?) que não contrataria bandas de “forró de plástico” para as festividades oficiais: “Nunca nos passou pela cabeça proibir ou sugerir a proibição de quaisquer tendências. Quem quiser tê-los que os pague, apenas isso. São muitas as distorções, admitamos. Não faz muito tempo vaiaram Sivuca em festa junina paga com dinheiro público aqui na Paraíba porque ele, já velhinho, tocava sanfona em vez de teclado e não tinha moças seminuas dançando em seu palco. Vaias também recebeu Geraldo Azevedo porque ele cantava Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro em festa junina financiada pelo governo aqui na Paraíba, enquanto o público, esperando a dupla sertaneja, gritava ‘Zezé cadê você? Eu vim aqui só pra te ver’.”

O jornalista, Henrique França, em oportuno artigo sobre o assunto diz que “Chico César foi vítima e vilão, ganhou mais respeito por alguns e insultos por outros. E, pasmem, ganhou um bom número de internautas que declararam sequer conhecer esse ‘tal Chico César’! Os argumentos contrários à declaração do cantor se baseiam na vontade popular: se o povo gosta, dê a ele todo lixo em forma de canção, dancinhas e gritinhos.”

Ora, claro que as pessoas de bom senso concordam que alguns dos argumentos contrários ao dublê de artista e secretário são frágeis e não se sustentam. Também concordam que qualquer forma de arte – música, teatro, cinema, artes plásticas etc. – é sim um instrumento de mudança social, e que o governo é de todos, independente de opção política, de classe social, de etnia, de gênero etc.

No entanto, proliferam pelo país programações equivocadas de gestões oficiais de “eventos” espalhando atividades que apenas se preocupam em preencher gráficos, estatísticas e relatórios para prestação de contas. São “micarandes, micaroas e micaretas”, festivais e shows oportunistas que só servem para entupir jovens de cerveja e suor, ou o bolso de empresários inescrupulosos sem nenhuma formação (principalmente, cultural). Outras drogas – como a péssima música, essa mesma abordada por Chico César, por exemplo – também estão nesse saco de gatos. O pior é atestar que muitos empresários, governos e dirigentes culturais emprestam total apoio a esta falsa ação cultural. E isso acontece pela falta de uma programação cultural calcada em uma política que trate a “cultura como direito e condição de cidadania, como dimensão simbólica e, principalmente, como política estratégica de Estado”, como disse o ex-ministro da cultura, Gilberto Gil.

Em que lugar está o cerne do problema?

Primeiro, na falta de quadros (nos governos) capazes de enxergar a cultura de uma maneira ampla, em todos os seus matizes, raízes, tendências e categorias. Poucos dirigentes culturais têm formação técnica ou conhecimento de causa para discernir uma “instalação” de artes plásticas de um cenário de teatro; uma “assemblage” de uma escultura. No geral, são pessoas que tem conhecimento apenas superficial (ou nenhum) sobre teatro ou música ou artes plásticas ou literatura... E sua escolha para dirigir os órgãos culturais oficiais sempre reflete o também pouco conhecimento no assunto dos governadores e prefeitos. Aliás, para estes, quando cultura será política estratégica de Estado, de fato e de direito?

Mas, voltando à citada polêmica do início deste texto, quero abordar algumas “quase” contradições... Ora, se há música “ruim”, com seus versos que fazem apologia ao sexo ou ao desrespeito às mulheres, por exemplo, será que também não há cinema ou artes plásticas “ruins”?

Em que pese não haver as mesmas comparações com a polêmica (música “ruim” versus música “boa”), parece que não há a mesma disposição do Estado (Prefeitura e Governo do Estado) em apoiar (ou discernir) a “boa” artes plásticas. Vejamos: é ínfimo o número de projetos de artes plásticas aprovados nas leis de incentivo à cultura (música e teatro sempre levam a maior parcela dos recursos); o último SAMAP (Funjope) foi patrocinado por um edital da Funarte/MinC, e mesmo assim ainda não finalizou o catálogo e outras ações previstas no projeto; o último (e controverso) edital público para instalar esculturas em praças e espaços públicos foi realizado em 2009; a Lei dos Edifícios precisa ser discutida seriamente (que tal uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano para tratar dessa questão?) e sustar a instalação de “monstrengos” de alguns artistas-lobistas em prédios particulares e públicos; não existe um atuante Fórum Permanente de Artes Visuais (como existe na dança, por exemplo); os atuais coordenadores oficiais (Prefeitura e Governo do Estado) da área de artes visuais são despreparados e inexperientes (e isso é meio caminho para não acontecer “boa” política pública); não há ainda uma clara programação para capacitação e formação (de platéia e de artistas); com exceção do edital de ocupação da Galeria Archidy Picado/Funesc (iniciativa de gestões anteriores, diga-se), é discutível a qualidade das mostras oficiais; e, tudo está parado quanto aos novos espaços de exibição: Museu de Arte Contemporânea da Paraíba, Museu de Campina Grande...

Já nos eventos culturais (e de entretenimento) promovidos pelos órgãos oficiais só há lugar para teatro e música. Ou seja, nossos colegas artistas da boa música e do bom teatro têm emprego durante o ano todo (e todo ano). É festa da padroeira, juninas, carnaval, semana santa e revéillon, afora as programações das novas praças, os festivais de música e outros eventos sazonais. Ótimo. Não acho isso ruim (até porque amo minha terra, sua gente, seus artistas e suas festas populares). Mas, nestes eventos não há lugar para artistas plásticos (eu, pessoalmente, nem acho que se encaixam bem em qualquer evento de rua). Daí, solicito ao secretário de cultura, Chico César, que use a mesma sentença “nunca nos passou pela cabeça proibir ou sugerir a proibição de quaisquer tendências” e nos apresente uma política cultural para as artes plásticas, "boa" ou "ruim".

terça-feira, março 22, 2011

as mulheres nas artes plásticas*

* texto publicado no jornal O Norte, em 09 de março de 2008

Fazendo uma análise da produção brasileira nas artes plásticas é notório o reconhecimento da presença feminina em apenas identificá-las como "artistas amadoras", ou seja, não-profissionais. No início do século passado a crítica especializada, então porta-voz do campo das artes, já relutava em considerar as mulheres artistas como dignas de uma apreciação séria. No artigo “Eternamente amadoras: artistas brasileiras sob o olhar da crítica (1885-1927)”, da professora Ana Paula Simioni, há várias citações de críticos e intelectuais como Monteiro Lobato, Félix Ferreira, Luis Gonzaga Duque-Estrada, João do Rio e Angyone Costa, em que, sistematicamente, tratam essa presença feminina através de metáforas como “sensíveis”, “invasão feminina”, “decadência”. Para eles essa invasão feminina era sinal de fraqueza de alguns salões de arte tornando-os um desfile de mediocridades.

Na Paraíba, nos anos 1920, a pintora Amelinha Theorga mereceu elogios de intelectuais nos jornais da época, mas, sua pequena atuação restringiu-se ao tempo em que era solteira. Provavelmente, também foi agraciada com adjetivos “bombons” como citado no famoso artigo “Paranóia ou mistificação?”, de Monteiro Lobato, em que este desanda a julgar a obra de Anita Malfatti através de um olhar conservador e anti-modernista, apesar de “tentar” dedicar-lhe um tratamento de “profissional das artes”, termo só atribuído aos homens.

No catálogo da primeira exposição brasileira dedicada à presença feminina nas artes (São Paulo, 1960), havia a afirmação de que antes das modernistas (p.e., Anita Malfatti e Tarsila do Amaral) houve apenas “heroínas melancolicamente frustradas que arrostavam incompreensões, preconceitos e caipirismos, numa época em que não havia salões nem galerias e em que seus pendores habituais se limitavam à arte aplicada das almofadas, rendas, bordados, flores artificiais etc.”. Podemos imaginar que, como Amelinha Theorga, deve ter surgido outras “moças” na produção de pinturas em nossa terra, mas, diante deste tratamento excludente, parecem jamais terem existido, e seus nomes e trajetórias desconhecidas. É só aí, nos anos 60, que aparecem nomes femininos nas artes plásticas da Paraíba (Carmem Dea, Terezinha Camelo, a professora Lourdes Medeiros e a jovem promessa Celene Sitônio, entre outras) em meio a dezenas de poetas e artistas do sexo masculino.

Mas, é nos anos 1980 que, definitivamente, as mulheres paraibanas ganham destaque como artistas. Em que pese o pequeno número, é evidente a projeção de algumas artistas, como Alice Vinagre, dona de uma pintura expressionista vigorosa e ex-aluna da turma infantil (Profª Lourdes Medeiros) do Departamento Cultural da UFPB, que, após concluir o curso de Belas Artes na UFRJ passa a arrebatar prêmios em eventos nacionais. Entre outras, se destacam: Marlene Almeida, com uma obra de engajamento político-ecológico e nome fundamental na criação da Associação dos Artistas Plásticos Profissionais da Paraíba, vindo a ser, depois, coordenadora de artes plásticas da Funesc; Rosilda Sá, ceramista competente e pesquisadora nesta categoria; e, a pintora Maria Helena Magalhães, oriunda de Belo Horizonte, onde concluiu o curso de Belas Artes. Hoje, as duas últimas são professoras do curso de Artes Visuais da UFPB.

Na arte naiff, há especial atenção para as artistas – inclusive, algumas já surgindo com certa idade – Dona Dalva, Dona Irene, Isa Galindo, Ana Pamplona, e a jovem Letícia Lucena (filha de José Lucena). Na arte da cerâmica, além de Rosilda Sá, aparecem Gina Dantas e Maria dos Mares. Na gravura, a religiosa Helle Bessa, Lívia Marques (atual professora da UFPB) e Carmem Trevas são nomes que se destacam desde o final dos anos 1970. Além de Rose Catão e Ivanusa Pontes, alunas de gravura de José Altino.

Paraibana, mas com cursos em Recife e no Rio de Janeiro, Fábia Lívia de Carvalho chega a ganhar prêmio no Salão dos Novos antes de fixar residência na Suíça, onde alterna estadia entre Basel e João Pessoa. Mesmo produzindo uma obra figurativa mais afeita ao mercado de arte local que às tendências contemporâneas, deve-se citar a escultora Rosa Queiroz e as pintoras Pepita e Dory Focke (que pouco atuam nos dias atuais). De Campina Grande, lembro de Lili Brasileiro e Zilene Neiva, surgidas na mostra Arte Atual Paraibana, em 1990, e Margarete Aurélio, hoje residindo em João Pessoa, esta, um raro talento no desenho à pastel.

Em meados dos anos 1990, com a criação do Centro de Artes Visuais Tambiá, capitaneado pela família Almeida (Antonio Augusto, Marlene e José Rufino), suas atividades fomentam importante intercâmbio com a Alemanha e promovem o surgimento de várias artistas de talento, entre estas, destaque para Célia Araújo, Neuma Sales e Alena Sá (breve lançando livro com o resultado de suas pesquisas sobre a COR). Já nos anos 2000, a Associart (que, apesar do nome, não é a mesma associação dos artistas dos anos 70) junta um grupo de jovens senhoras, algumas ex-alunas do CAVT, dispostas a organizar exposições de artes plásticas.

Diz Ana Paula Simioni: “Compreender as razões da exclusão das mulheres do panteão artístico ultrapassa a perspectiva do simples ‘resgate’ de suas obras e trajetórias; implica um questionamento mais profundo sobre as razões e o modo com que se operou tal obscurecimento coletivo”. Mas, estamos em novos tempos de emancipação da mulher e sua presença deve ser mais observada que apenas pelo viés de um suposto “feminino universal”. Por mais que isso ainda esteja em nosso inconsciente “machista”.

segunda-feira, março 14, 2011

o papel da crítica de arte na contemporaneidade*

* texto apresentado no seminário Arte na contemporaneidade, Campina Grande, em 17 de março de 2011

Minha participação neste evento não poderia se dar de outra forma que não a partir de minha própria experiência. E há dois momentos “cruciais” que, definitivamente, vieram apontar para a escolha que fiz, ou seja, atuar nas artes visuais como artista, curador e também crítico, editor ou jornalista cultural. Um destes momentos foi o meu primeiro deslumbramento com a arte contemporânea, no início dos anos 1980, através do contato com o Núcleo de Arte Contemporânea-NAC da UFPB.

O outro momento aconteceu alguns anos depois, aqui em Campina Grande. Eu dividia o mesmo apartamento com o artista e crítico, Raul Córdula, e ele me alertava da necessidade dos artistas plásticos, no Nordeste, eles mesmos, terem de escrever seus textos e ensaios críticos: “Não temos tantos estetas atuando por estas bandas do Nordeste e, pior, aqueles que escrevem bem moram agora entre o Rio e São Paulo”, disse ele.

Em 1990, Raul escrevia na hoje extinta Revista Galeria (número 21, edição de agosto-setembro): “Além da luta por espaços expositivos, os artistas nordestinos engajados numa produção ‘progressista’ sofrem a carência de textos que teorizem suas produções em uma terra onde o papel da crítica é substituído por um colunismo social a serviço da produção de pintura tradicional que, na maioria das vezes, apenas se parece com uma produção de arte”. Após isso, fiquei certíssimo que eu deveria não só escrever, mas também, e principalmente, publicar.

E daí, eu passei a enviar, insistentemente, colaborações e textos para os jornais locais (em João Pessoa, há quatro jornais diários e, nos anos 1960, havia quatro ou cinco pessoas escrevendo sobre cinema!). Finalmente, após minha entrada na ABCA, ganhei uma coluna semanal, aos domingos, no jornal O Norte, e outra, quinzenal, no Correio das Artes, suplemento do jornal A União. E isso foi entre 2005 e 2010.

Sobre esta atuação na imprensa, devo reconhecer que isso merece uma reflexão. Muitas vezes tenho a preocupação de que os textos publicados num jornal diário devem ser compreendidos, pelo menos, por leitores comuns. Por isso, sempre os “submetia” à minha mãe. Afinal, para quem se destina tanto material?

Depois, tentava aproveitar o espaço para tratar de assuntos até referentes à história da arte, como uma atuação mesmo de professor. Na maioria das vezes, muito natural, escrevia apenas sobre artistas que eu conhecia e acompanhava a trajetória.

Mesmo assim, comecei a pensar num veículo próprio para publicar textos e ensaios de outras pessoas sobre artes visuais, como espaço adequado para a reflexão – e informação – sobre a arte contemporânea produzida no Nordeste. Afinal, o espaço dos jornais era generoso, no entanto, efêmero. O artista Chico Pereira dizia que “o jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã.” E daí vieram as revistas Pessoa e Cadernos de Cultura (esta última, através da Subsecretaria da Cultura da Paraíba), ambas, impressas em preto e branco sobre papel jornal.

Indo direto ao assunto do papel da crítica de arte na contemporaneidade, como sugere este seminário, quero lembrar que há uns vinte anos, no Rio de Janeiro, aconteceu um encontro promovido pela Funarte e que contou com a presença de jornalistas e críticos de arte das suas várias categorias, com o objetivo de debater sobre o papel da crítica exercitada nos jornais diários.

Logo se chegou à conclusão que apenas os suplementos de cultura – ou seja, os encartes dos finais de semana –, seriam um bom lugar para a crítica propriamente dita, já que a sua leitura poderia ser digerida durante a semana.

Também se concluiu que havia clara diferenciação entre cada categoria das artes e o papel da crítica junto a ela. No cinema, na dança e no teatro, por exemplo, a atuação da crítica poderia influenciar o público promovendo o sucesso ou o fracasso de um espetáculo. O famoso bonequinho do jornal O Globo quando aparecia aplaudindo, era sinônimo de casa cheia no teatro ou no cinema. E todos olhavam atravessado para um espetáculo quando o bonequinho oferecia sua cara zangada.

Pois é. O elogio de um crítico de cinema ou de teatro vira trunfo e é logo pinçado para constar no press release ou no cartaz do espetáculo com o objetivo de convencer mais e mais pessoas a lotar o teatro ou o cinema.

O fato é que estas áreas exigem certa “iniciação” do público, e o crítico de arte atua com importante papel no seu julgamento ou enquadramento: vá, ou, não vá. Na literatura, o crítico pode influenciar na hora de comprar um livro, mas não tanto. A lista dos mais vendidos – os best sellers – também é um dos melhores indicativos para se comprar um livro. Na música, tudo pode estar relacionado ao gosto (?) do crítico. Aí, a crítica pode extrapolar os critérios necessários a uma boa análise e, assim, falar mal de uma música ou de um artista nada significará se houver empatia entre eles e o grande público. Os críticos, freqüentemente achincalhados como “artistas frustrados”, podem facilmente estabelecer uma relação de amor ou de ódio com os artistas ou com seus fãs.

Já, nas artes visuais, a coisa pega. Para início de conversa, um elogio qualquer não vai fazer um artista plástico vender sua produção. Depois, alguns textos críticos são muito herméticos dificultando assim o acesso à compreensão (?) de uma obra de arte. Afinal, o texto crítico deveria fazer diminuir a distância que separa a obra de arte de seu significado e tentar aproximá-la do público não-especializado. Quem leu os textos de Mário Pedrosa, sempre em linguagem clara e objetiva, sabe do que estou falando. O fato é que houve certo distanciamento entre o público, o artista e a obra de arte.

“O papel da crítica não é criar polêmica, mas procurar espaço para o confronto de ideias e a disseminação de sentidos para as obras de arte... Cabe à crítica, acima de tudo, responder às demandas de sua época, adaptando-se sem maiores temores e com um mínimo de ousadia, aos espaços que lhe são concedidos”, diz Luiz Camillo Osório, crítico de arte do jornal O Globo e que acaba de lançar o livro “Razões da crítica”, da Jorge Zahar Editor.

Para finalizar, quero reafirmar a importância da produção de teoria e crítica de arte nas regiões “fora do eixo” e reivindicar maior atuação da Universidade neste assunto. Além da escassa produção de ensaios e textos críticos, muito embora a Universidade cumpra em parte esta função e demanda, há de cobrarmos a realização de mais workshops e oficinas de crítica de arte, como alguns que tem acontecido em Recife, promovidos em eventos como o SPA. Ano passado, na Usina Cultural Energisa, o crítico e professor, Fernando Cocchiarale, ministrou uma dessas oficinas para um grupo de 10 pessoas, numa promoção conjunta do MAMAM e Programa BNB de Cultura.

Memória da crítica de arte no Brasil

Em 1949 foi criada a Associação Brasileira de Críticos de Arte, com ideais de aglutinar intelectuais e valorizar a cultura que surgia como elo para a reconstrução de novos tempos, à procura de uma realidade mais humanitária no mundo. E isso aconteceu paralelamente à criação da Associação Internacional de Críticos de Arte, ligada diretamente à Unesco, em Paris.

A ABCA, segundo seus estatutos, “tem por objetivo promover a aproximação e o intercâmbio entre os profissionais que atuam na área da crítica de arte, aí amplamente incluídos os profissionais da crítica, pesquisadores, historiadores, teóricos, ensaístas, jornalistas, jornalistas culturais e professores de história da arte e de estética. Incentiva a pesquisa e a reflexão sobre a arte, contribuindo, para a produção artística e da teoria da arte”.

Neste período, dois nordestinos se destacaram na AICA: o pernambucano Mário Pedrosa e o paraibano Antonio Bento (aliás, pouca gente sabe quem foi Antonio Bento). A ABCA, através destes nomes e ao lado de Mário Barata e de Sérgio Milliet, promoveu os encontros internacionais de 1951, durante a primeira edição da Bienal Internacional de São Paulo, e de 1959, em Brasília, que foram marcantes nas discussões sobre o papel da crítica e sua relação com as teorias e as humanidades, além de determinar a inclusão do Brasil no cenário cultural internacional, das artes plásticas à arquitetura. Outro paraibano, José Simeão Leal, médico e artista plástico bissexto, também atuou como crítico de arte chegando à presidência de honra da ABCA, nos anos 80. Além de Simeão e Antonio Bento, outros paraibanos também atuam (ou atuaram) na ABCA, entre estes, Tomás Santa Rosa, Risoleta Córdula, João Câmara Filho, Chico Pereira, Eudes Rocha Júnior, José Altino e Raul Córdula. A ABCA, hoje, tem sede em São Paulo e, por isso, está mais ligada aos pesquisadores e professores da Universidade de São Paulo. Seus encontros regionais, realizados desde o final dos anos 80, tratam da disseminação da liberdade de experimentar a análise da obra de arte.

E, além destes, podemos citar outros intelectuais que tem atuado na área da crítica de arte na Paraíba: Paulo Sérgio Duarte, Rubem Navarra, Madalena Zaccara, Walter Galvão, Fábio Queiroz, William Costa, Gabriel Bechara, Virgínius da Gama e Mello, Vanildo Brito, Hermano José, Juca Pontes, Carlos Aranha, entre tantos outros.

domingo, março 13, 2011

para que serve o curador de artes visuais*

* texto publicado no jornal O Norte, em 15 de julho de 2007

Segundo o Dicionário Aurélio, curador é aquele que tem, por incumbência legal ou judicial, a função de zelar pelos bens e pelos interesses dos que por si não o possam fazer. Claro, estamos falando numa seara do Direito. A origem epistemológica da palavra curador vem do latim (curatore), que significa tutor, “aquele que tem uma administração a seu cuidado”. Nas artes visuais, o curador é aquele que “zela por uma coleção ou a concebe, organiza e supervisiona a montagem de uma exposição”.

Na verdade, o termo ‘curadoria’ é recente na área das artes visuais. No Brasil, ganhou contornos conceitual e prático no início dos anos 1980, com Walter Zanini à frente da Bienal Internacional de São Paulo. Na época, no papel de diretor artístico da Fundação Bienal, Zanini organizou a 16ª edição do evento, com trabalhos agrupados por analogia de linguagem, e não mais por pavilhões nacionais, como era prática até então. “A seleção das obras passou a obedecer, portanto, critérios relacionados à concepção e significação dos trabalhos, não mais ao espaço territorial ou temporal da criação”, como está dito no portal do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Daí, em alguns museus, passou-se a discutir a substituição do diretor técnico por um curador-chefe, com o objetivo de deixar todo o setor técnico-científico sob a responsabilidade de uma única figura profissional, contemplando atribuições como, entre outras, de “aconselhamento e sugestões para a seleção de obras a serem adquiridas ou doadas ao acervo do museu” e “aconselhamento e sugestões de exposições e outros projetos culturais a serem apresentados”, além de prestar “auxílio” na captação de exposições, mostras e obras de arte.

O desafio de realizar uma curadoria é expor e fomentar a discussão sobre a produção artística e desenvolver atividades práticas, necessárias à experimentação dos conteúdos conceituais da arte por meio de procedimentos que não têm a intenção de se tornar produtos artísticos, mas propor uma prática poética nas diferentes linguagens artísticas. A leitura da obra de arte pode ser aprendida e requer uma disposição aberta para entender os significados mais sutis, a linguagem das cores, das formas, das linhas, até chegarmos ao seu conteúdo. É aí que entra o papel educativo do curador que, com seu trabalho, busca aproximar o público dos conceitos que permeiam a arte.

O curador também é o responsável pela escolha das exposições, pela pesquisa e seleção de obras e artistas. E, junto com a equipe técnica, discute o planejamento museográfico (a organização espacial da sala e a localização das obras) e a montagem. Para cada exposição, os curadores desenvolvem pesquisas e conversas com os artistas e a equipe do setor ‘educativo’, trabalhando possíveis desdobramentos que contemplem os conceitos abordados. A partir destas pesquisas são criados temas norteadores (recortes temáticos que permeiam o percurso pelo espaço expositivo e relacionam as obras a outras áreas do conhecimento e acontecimentos do mundo), possibilitando uma melhor aproximação e compreensão do público com a exposição.

Da mesma forma que para alguém ler um texto requer que seja alfabetizado e saiba o significado das palavras, a apreciação de uma obra de arte precisa de um outro tipo de alfabetização: a da linguagem visual. Para compreender o significado de uma obra de arte, temos que ir além do aparentemente observado. Estamos compreendendo o seu conteúdo, a sua força, a sua magia, e esta compreensão faz com que possamos entender melhor nosso mundo e a nós mesmos. Às vezes visitamos um museu e nos deparamos com uma obra de arte de difícil entendimento. Muita gente chega a pensar que aquilo foi feito aleatoriamente, enquanto outras pessoas se aproximam e fazem alguns elogios, e aí ficamos num dilema: ou somos analfabetos no mundo das artes, ou aquelas pessoas são tão malucas quanto a obra que estão vendo.

Por outro lado, a necessidade de um curador nos dias de hoje, tão importante como já foi o marchand para os artistas impressionistas da Paris do século XIX, é a medida exata para se fugir de uma amostragem aleatória ou apoteótica, que, muitas vezes, só faz juntar obras de arte para ocupar um determinado espaço. Não confundir com a “Grande Tela”, o imenso corredor com pinturas de vários artistas – e de nacionalidades diferentes – na 18ª Bienal de São Paulo, proposta da curadora Sheila Lerner. Na verdade, havia uma intenção, um propósito: a coerência desta atitude com os percursos da pintura naquele momento em que se discutia a sua ‘morte’.

Noutro aspecto e com o objetivo de valorizar e qualificar ainda mais a produção artesanal, o Governo da Paraíba instituiu a Curadoria do Artesanato, ligada à Secretaria de Educação e Cultura, que passou a realizar o cadastramento de artesãos e sua produção, como também a realização das ‘provas de feitura’, classificando o artesanato por matéria-prima, técnicas principais e habilidades manuais para identificação da especialidade do artesão, e, por fim, emitir a Carteira de Habilitação do Artesão. Aqui, o papel da curadoria é tentar organizar a produção artística e ao mesmo tempo orientar destes produtores - os artesãos - na participação de eventos e sua inserção no mercado de forma responsável.