segunda-feira, março 14, 2011

o papel da crítica de arte na contemporaneidade*

* texto apresentado no seminário Arte na contemporaneidade, Campina Grande, em 17 de março de 2011

Minha participação neste evento não poderia se dar de outra forma que não a partir de minha própria experiência. E há dois momentos “cruciais” que, definitivamente, vieram apontar para a escolha que fiz, ou seja, atuar nas artes visuais como artista, curador e também crítico, editor ou jornalista cultural. Um destes momentos foi o meu primeiro deslumbramento com a arte contemporânea, no início dos anos 1980, através do contato com o Núcleo de Arte Contemporânea-NAC da UFPB.

O outro momento aconteceu alguns anos depois, aqui em Campina Grande. Eu dividia o mesmo apartamento com o artista e crítico, Raul Córdula, e ele me alertava da necessidade dos artistas plásticos, no Nordeste, eles mesmos, terem de escrever seus textos e ensaios críticos: “Não temos tantos estetas atuando por estas bandas do Nordeste e, pior, aqueles que escrevem bem moram agora entre o Rio e São Paulo”, disse ele.

Em 1990, Raul escrevia na hoje extinta Revista Galeria (número 21, edição de agosto-setembro): “Além da luta por espaços expositivos, os artistas nordestinos engajados numa produção ‘progressista’ sofrem a carência de textos que teorizem suas produções em uma terra onde o papel da crítica é substituído por um colunismo social a serviço da produção de pintura tradicional que, na maioria das vezes, apenas se parece com uma produção de arte”. Após isso, fiquei certíssimo que eu deveria não só escrever, mas também, e principalmente, publicar.

E daí, eu passei a enviar, insistentemente, colaborações e textos para os jornais locais (em João Pessoa, há quatro jornais diários e, nos anos 1960, havia quatro ou cinco pessoas escrevendo sobre cinema!). Finalmente, após minha entrada na ABCA, ganhei uma coluna semanal, aos domingos, no jornal O Norte, e outra, quinzenal, no Correio das Artes, suplemento do jornal A União. E isso foi entre 2005 e 2010.

Sobre esta atuação na imprensa, devo reconhecer que isso merece uma reflexão. Muitas vezes tenho a preocupação de que os textos publicados num jornal diário devem ser compreendidos, pelo menos, por leitores comuns. Por isso, sempre os “submetia” à minha mãe. Afinal, para quem se destina tanto material?

Depois, tentava aproveitar o espaço para tratar de assuntos até referentes à história da arte, como uma atuação mesmo de professor. Na maioria das vezes, muito natural, escrevia apenas sobre artistas que eu conhecia e acompanhava a trajetória.

Mesmo assim, comecei a pensar num veículo próprio para publicar textos e ensaios de outras pessoas sobre artes visuais, como espaço adequado para a reflexão – e informação – sobre a arte contemporânea produzida no Nordeste. Afinal, o espaço dos jornais era generoso, no entanto, efêmero. O artista Chico Pereira dizia que “o jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã.” E daí vieram as revistas Pessoa e Cadernos de Cultura (esta última, através da Subsecretaria da Cultura da Paraíba), ambas, impressas em preto e branco sobre papel jornal.

Indo direto ao assunto do papel da crítica de arte na contemporaneidade, como sugere este seminário, quero lembrar que há uns vinte anos, no Rio de Janeiro, aconteceu um encontro promovido pela Funarte e que contou com a presença de jornalistas e críticos de arte das suas várias categorias, com o objetivo de debater sobre o papel da crítica exercitada nos jornais diários.

Logo se chegou à conclusão que apenas os suplementos de cultura – ou seja, os encartes dos finais de semana –, seriam um bom lugar para a crítica propriamente dita, já que a sua leitura poderia ser digerida durante a semana.

Também se concluiu que havia clara diferenciação entre cada categoria das artes e o papel da crítica junto a ela. No cinema, na dança e no teatro, por exemplo, a atuação da crítica poderia influenciar o público promovendo o sucesso ou o fracasso de um espetáculo. O famoso bonequinho do jornal O Globo quando aparecia aplaudindo, era sinônimo de casa cheia no teatro ou no cinema. E todos olhavam atravessado para um espetáculo quando o bonequinho oferecia sua cara zangada.

Pois é. O elogio de um crítico de cinema ou de teatro vira trunfo e é logo pinçado para constar no press release ou no cartaz do espetáculo com o objetivo de convencer mais e mais pessoas a lotar o teatro ou o cinema.

O fato é que estas áreas exigem certa “iniciação” do público, e o crítico de arte atua com importante papel no seu julgamento ou enquadramento: vá, ou, não vá. Na literatura, o crítico pode influenciar na hora de comprar um livro, mas não tanto. A lista dos mais vendidos – os best sellers – também é um dos melhores indicativos para se comprar um livro. Na música, tudo pode estar relacionado ao gosto (?) do crítico. Aí, a crítica pode extrapolar os critérios necessários a uma boa análise e, assim, falar mal de uma música ou de um artista nada significará se houver empatia entre eles e o grande público. Os críticos, freqüentemente achincalhados como “artistas frustrados”, podem facilmente estabelecer uma relação de amor ou de ódio com os artistas ou com seus fãs.

Já, nas artes visuais, a coisa pega. Para início de conversa, um elogio qualquer não vai fazer um artista plástico vender sua produção. Depois, alguns textos críticos são muito herméticos dificultando assim o acesso à compreensão (?) de uma obra de arte. Afinal, o texto crítico deveria fazer diminuir a distância que separa a obra de arte de seu significado e tentar aproximá-la do público não-especializado. Quem leu os textos de Mário Pedrosa, sempre em linguagem clara e objetiva, sabe do que estou falando. O fato é que houve certo distanciamento entre o público, o artista e a obra de arte.

“O papel da crítica não é criar polêmica, mas procurar espaço para o confronto de ideias e a disseminação de sentidos para as obras de arte... Cabe à crítica, acima de tudo, responder às demandas de sua época, adaptando-se sem maiores temores e com um mínimo de ousadia, aos espaços que lhe são concedidos”, diz Luiz Camillo Osório, crítico de arte do jornal O Globo e que acaba de lançar o livro “Razões da crítica”, da Jorge Zahar Editor.

Para finalizar, quero reafirmar a importância da produção de teoria e crítica de arte nas regiões “fora do eixo” e reivindicar maior atuação da Universidade neste assunto. Além da escassa produção de ensaios e textos críticos, muito embora a Universidade cumpra em parte esta função e demanda, há de cobrarmos a realização de mais workshops e oficinas de crítica de arte, como alguns que tem acontecido em Recife, promovidos em eventos como o SPA. Ano passado, na Usina Cultural Energisa, o crítico e professor, Fernando Cocchiarale, ministrou uma dessas oficinas para um grupo de 10 pessoas, numa promoção conjunta do MAMAM e Programa BNB de Cultura.

Memória da crítica de arte no Brasil

Em 1949 foi criada a Associação Brasileira de Críticos de Arte, com ideais de aglutinar intelectuais e valorizar a cultura que surgia como elo para a reconstrução de novos tempos, à procura de uma realidade mais humanitária no mundo. E isso aconteceu paralelamente à criação da Associação Internacional de Críticos de Arte, ligada diretamente à Unesco, em Paris.

A ABCA, segundo seus estatutos, “tem por objetivo promover a aproximação e o intercâmbio entre os profissionais que atuam na área da crítica de arte, aí amplamente incluídos os profissionais da crítica, pesquisadores, historiadores, teóricos, ensaístas, jornalistas, jornalistas culturais e professores de história da arte e de estética. Incentiva a pesquisa e a reflexão sobre a arte, contribuindo, para a produção artística e da teoria da arte”.

Neste período, dois nordestinos se destacaram na AICA: o pernambucano Mário Pedrosa e o paraibano Antonio Bento (aliás, pouca gente sabe quem foi Antonio Bento). A ABCA, através destes nomes e ao lado de Mário Barata e de Sérgio Milliet, promoveu os encontros internacionais de 1951, durante a primeira edição da Bienal Internacional de São Paulo, e de 1959, em Brasília, que foram marcantes nas discussões sobre o papel da crítica e sua relação com as teorias e as humanidades, além de determinar a inclusão do Brasil no cenário cultural internacional, das artes plásticas à arquitetura. Outro paraibano, José Simeão Leal, médico e artista plástico bissexto, também atuou como crítico de arte chegando à presidência de honra da ABCA, nos anos 80. Além de Simeão e Antonio Bento, outros paraibanos também atuam (ou atuaram) na ABCA, entre estes, Tomás Santa Rosa, Risoleta Córdula, João Câmara Filho, Chico Pereira, Eudes Rocha Júnior, José Altino e Raul Córdula. A ABCA, hoje, tem sede em São Paulo e, por isso, está mais ligada aos pesquisadores e professores da Universidade de São Paulo. Seus encontros regionais, realizados desde o final dos anos 80, tratam da disseminação da liberdade de experimentar a análise da obra de arte.

E, além destes, podemos citar outros intelectuais que tem atuado na área da crítica de arte na Paraíba: Paulo Sérgio Duarte, Rubem Navarra, Madalena Zaccara, Walter Galvão, Fábio Queiroz, William Costa, Gabriel Bechara, Virgínius da Gama e Mello, Vanildo Brito, Hermano José, Juca Pontes, Carlos Aranha, entre tantos outros.

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