sábado, março 22, 2008

olhar para dentro, enxergar fora*

* texto publicado no jornal O Norte, em 23 de março de 2008

Apesar de a Paraíba contar com inúmeros artistas plásticos nacionalmente reconhecidos e acervos institucionais de importância expressiva para a arte brasileira, praticamente inexistem no Estado ações artístico-culturais para exibição deste rico acervo ou informações sobre suas condições técnicas. Raríssimos são, por exemplo, os programas de visitas educativas voltados para a formação de público, e as atividades de arte-educação regularmente realizadas nas escolas públicas, de modo particular, deixam muito a desejar e geralmente dependem da boa vontade dos educadores.

Estes e outros assuntos serão motivos de debate e exposição na Usina Cultural Energisa, a partir desta quarta-feira, 26 de março, às 20 horas, com a inauguração da mostra “Memória das artes visuais na Paraíba – do século XIX à contemporaneidade”, selecionada no programa Conexão Artes Visuais/ MinC/ Funarte/ Petrobras entre mais de 280 projetos inscritos em todo o Brasil. A exposição, com cerca de trinta artistas e trinta e cinco obras, pretende não apenas apresentar à comunidade uma seleção de obras dos principais acervos de artes plásticas do Estado − Museu de Arte Assis Chateaubriand (em Campina Grande), Pinacoteca da UFPB e Fundação Espaço Cultural da Paraíba (em João Pessoa) −, mas também realizar atividades educativas que estimulem a formação de consciência crítica entre os jovens, o reconhecimento da arte e dos artistas paraibanos e, naturalmente, a reflexão sobre temas bastante urgentes: gestão e manutenção de acervos, arte pública, colecionismo e o papel das artes visuais na contemporaneidade. Para ministrar as oficinas, gratuitas e abertas aos artistas da cidade, estão os artistas José Rufino (Site specific) e Chico Dantas (Tudo é desenho). Nomes como Lívia Marques (Pinacoteca da UFPB), Regina Mota (IPHAEP-PB), Chico Pereira e Raul Córdula (artistas e ex-diretores do Museu de Campina Grande), Maria do Carmo Nino (Fundação Joaquim Nabuco, Recife), Gustavo Amorim (Curador das Fundações, Ministério Público), Gil Vicente (artista, Recife) e Cristina Freitas Gomes (museóloga) irão participar dos debates e mesas-redondas do evento.

Entre os artistas selecionados para a mostra estão Alberto Lacet, Alice Vinagre, Antonio Dias, Chico Dantas, Chico Pereira, Flávio Tavares, Ivan Freitas, Jackson Ribeiro, José Pagano, José Rufino, José Lyra, Marlene Almeida, Maria Helena Magalhães, Marcos Pinto, Miguel dos Santos, Pedro Américo, Olívio Pinto, Roberto Lúcio, Raul Córdula, Sandoval Fagundes, Sérgio Lucena, entre outros. Para a seleção destes artistas e obras desta exposição, a curadoria optou por dirigir um olhar crítico, mas atento e compreensivo, sobre as coleções em destaque. Em que pesem as precárias condições técnicas e o desfalque de artistas e obras verificados nesses acervos, além da carência generalizada de programas de exibição e educação, constata-se que a arte produzida por nossos artistas paraibanos não difere daquela de outros estados nordestinos e se adaptou às condições − e ao ritmo − de nossa evolução política, econômica e social. Esta exposição, na verdade, é um espelho do que se produziu na Paraíba desde as primeiras décadas do século passado.

No início, uma arte bem comportada, nos moldes provincianos então vigentes. Depois − em meados dos anos 1940 −, o surgimento do Centro de Artes Plásticas da Paraíba - CAP, primeiro ateliê coletivo de artistas (e aspirantes a artistas), que então ainda se reuniam em torno da pintura de retratos e paisagens.

Posteriormente, o deslocamento de alguns alunos do ateliê para outros centros, em busca de novas tendências artísticas, acabou por deflagrar a inevitável ruptura com o academismo local. A origem desses “ventos modernistas” também se deve, diga-se de passagem, à presença entre nós do pintor abstracionista Domenico Lazzarini. Trazido à Paraíba, por sugestão de Simeão Leal (do então Ministério da Educação e Saúde), na esteira do Plano de Ação Cultural do Governo Pedro Gondim, Lazzarini não só orientou os jovens artistas no manuseio de técnicas antigas (esticar telas, imprimar, esboçar, fabricar têmperas com caseínas, cera, ovos, gesso crê, alvaiade, solventes, óleos etc.), mas também instituiu, no Departamento Cultural da UFPB, o primeiro espaço expositivo para a arte contemporânea em nossa cidade.

Apesar de todo o frisson (positivo, aliás) produzido pela instalação do Museu de Campina Grande – MAAC em 1967, foi só com a criação, na UFPB, do Núcleo de Arte Contemporânea – NAC dez anos depois, que se passou a questionar o próprio valor da arte, ou seja, “eliminavam-se” as categorias tradicionais das artes plásticas e abriam-se novas frentes no campo artístico: da experimentação − com a instabilidade e a necessidade de conceituação que a caracterizam − até a radicalização implícita na preponderância do pensamento sobre a plasticidade.

A partir dos anos 80, com a anistia política e os novos rumos da democratização no país, sobreveio a globalização, e a “arte paraibana” universalizou-se: não mais havia novidades no mundo que aqui fossem desconhecidas, e novos desafios surgiram desde então.

Visitar esta exposição dá, portanto, ao espectador a oportunidade de olhar para dentro e refletir − mediante discussões, análises, debates − sobre nossa produção artística e suas condições técnicas para exibição, preservação e guarda, dentre outras questões, o que sem dúvida implica expandir limites, ou seja, enxergar o que se passa fora da aldeia.

Um comentário:

Lori Tubbs disse...

Ho messo in google "Domenico Lazzarini" e ho trovato il tuo blog.
Domenico era mio zio e quando veniva in Italia era ospite a casa mia.
Ciao,
Lori