quinta-feira, outubro 18, 2007

tudo que é sólido desmancha no ar

Todo assunto sério pode virar uma piada. Toda tragédia tem seu lado comédia. Ou, ainda, o que é imóvel desaba e o que está em constante movimento, mantém-se. Estes são lugares-comuns de uma sociedade burguesa que, através de sua insaciável busca pelo desenvolvimento e de satisfazer às necessidades por ela criadas, produz inevitavelmente idéias e movimentos radicais antagônicos. Ela se alimenta e se revigora daquilo que se opõe, tornando-se mais forte em meio a pressões e crises do que em tempos de paz, transforma inimizade e detratores em aliados involuntários.

Diz Marshall Berman, em seu livro “Tudo que é sólido desmancha no ar”, que “Tudo o que é sagrado é profanado; os homens, finalmente, serão obrigados a encarar as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com os seus companheiros humanos.” Isso me vem no momento que assistimos ao Festival Internacional de Humor em DST/AIDS (Usina Cultural Saelpa, até 21 de outubro), realizado pelo Ministério da Saúde e promovido na Paraíba pelo Governo do Estado através da Secretaria de Saúde.

A arte, e neste caso o humor gráfico, é utilizada cada vez mais como uma ferramenta de comunicação ou de ativismo político, já que o ato artístico é a possibilidade de um indivíduo expressar sua liberdade. Mas, a arte também pode ser crítica ou politizada (quando o artista é engajado, seja de que lado for). Foi pensando dessa forma que o Ministério da Saúde resolveu utilizar dessa linguagem do humor gráfico para uma campanha direta por uma mobilização maior contra o vírus da AIDS e a desinformação sobre a doença. Afinal, o humor gráfico é uma linguagem universal entre os povos. Através de um cartum um chinês pode se comunicar com um boliviano sem conhecer sua língua. O desenho nem precisa ser acompanhado de texto e assim, através dos traços e expressão dos personagens, a idéia é passada para qualquer ser humano do planeta, seja analfabeto ou letrado, jovem ou idoso, rico ou pobre...

A riqueza do humor gráfico tem invadido o mundo através de salões desde o século passado. Os belgas e ingleses foram os primeiros a criar concursos de cartuns que hoje são comuns em vários países de todos os continentes. As surpresas são tão grandes nesse setor que o próprio Irã, considerado reduto de fortes dogmas religiosos e censura, tem um dos maiores contingentes de humoristas por metro quadrado, com várias revistas de humor e um dos melhores salões do mundo. No Brasil, o primeiro evento desse tipo foi o Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, em 1973, em pleno regime militar. Contaram com a ajuda de Zélio Alves Pinto e do pessoal do Pasquim e que, logo depois, também foram dar força ao nosso principal e mais antigo Salão de Humor, o de Piracicaba, hoje, com mais de trinta anos de vida. Atualmente, são vários os Salões espalhados pelo Brasil, entre eles, o Salão do Piauí, Salão de Volta Redonda, de Pernambuco, Carioca, de Imprensa de Porto Alegre, de Foz do Iguaçu, de Caratinga, Universitário de Piracicaba, da Bahia, Unacom de Brasília e de Minas Gerais.

Para abrilhantar esse evento na Usina Cultural Saelpa, claramente dedicado a despertar nos visitantes uma discussão e reflexão sobre a AIDS e seus impactos no mundo, esteve em João Pessoa o cartunista gaúcho Edgar Vasques, autor do personagem Rango e membro do júri deste festival ao lado de Zélio Alves Pinto, Ciça, Albert Piauí, Gogon e Orlando. Na cidade, pela segunda vez, Vasques fez questão de encontrar os artistas locais e, de novo, se surpreender com o talento de Shiko, a dedicação de Henrique Magalhães (que recentemente publicou extensa entrevista com Edgar Vasques na sua revista Top Top!) e a garra dos “meninos” do grupo Made in PB (Raoni Xavier, Janúncio Neto, Jackson Herbert, Alysson e Izaac Ramon).

Passou uma tarde memorável na Fundação Espaço Cultural onde proferiu palestra para quase vinte jovens alunos do curso de Desenho e Roteiro em Quadrinhos, ministrado pelo Made in PB (todos os sábados no Espaço Cultural). Ainda teve tempo para uma conversa com Shiko e outros artistas locais sobre assuntos atuais dessa área: mercado editorial, formação, cursos, eventos, Internet, novos meios de expressão e fruição, ações públicas e coletivas... E deixou no ar a semente da criação de um espaço local (um salão de humor e quadrinhos?) que possa servir de lugar de divulgação e reflexão sobre esta categoria muitas vezes considerada “menor” no status do sistema da arte. A Usina Cultural Saelpa, já se antecipando a estas discussões e vislumbrando o alcance do humor gráfico, anuncia para o ano que vem a realização de um Salão de Humor com o tema “Fonte renovável de energia”. Mais uma vez, os artistas vão poder fazer rir (ou chocar) com assuntos sérios e que estão na moda (aquecimento global, camada de ozônio, fontes alternativas de energia, ecologia etc).

Usar os meios de comunicação é uma das formas abrangentes e eficazes de atingir uma massa ávida de conhecimento e sempre traz resultados imediatos. A arte do humor gráfico e das histórias em quadrinhos, além de ser de baixo custo, tem o poder de permanência que um anúncio na TV não tem. Desde muito tempo que as campanhas educativas da área de saúde utilizam história em quadrinhos, por exemplo, como ferramenta das peças publicitárias atingindo sucesso estrondoso. Quem sabe, não será através da arte (e do humor, da comédia) que acordemos para o caos (tragédia?) que o planeta reserva aos nossos filhos e netos?

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